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    "Não sou escritor católico, mas um católico que escreve"

    reportagem de Helena Solberg

    07/04/2014 03h14

    Veja a transcrição da entrevista de Helena Solberg com Graham Greene em 1960 para o jornal estudantil "O Metropolitano"

    O escritor é grande, alto, rosto queimado, olhos azuis e firmes, um pouco infantis quando fala em Capri.

    Foi surpreendido pela reportagem em plena rua México, às 3h30 da tarde, e consentiu em ser entrevistado sem dificuldade. Em direção ao Hotel Serrador, onde está hospedado, atravessou tranquilamente a cidade ignorando os sinais e as lotações que vinham em desabalada. Nós não estávamos assim tão tranquilos, –com que direito? A essa hora, na avenida Rio Branco, só mesmo ele podia facilitar: escritor inglês, com uma pasta preta embaixo do braço, aberta, cheia de papéis ameaçando cair distraído, sorridente, procurando responder com honestidade ao que perguntávamos.

    —A sua obra tem uma intenção apostólica?
    —Não, nenhuma. Há uma insistência por parte da crítica a respeito do problema religioso em minha obra, quando afinal não escrevi só a respeito disso. Não sou um escritor católico, mas um católico que escreve.

    —O senhor tem a intenção de escrever alguma sátira em relação à Rússia depois de haver feito uma ao imperialismo americano ("O Americano Tranquilo") e outra ao "inteligence service" na Inglaterra ("Our Man in Havana")?
    —Saindo daqui devo ir à Rússia para assistir ao julgamento do piloto americano Power, que me interessa muitíssimo. Escreverei artigos a respeito para uma revista inglesa. Em minha estada lá talvez recolha material para algum trabalho futuro. Mas não tenho nada planejado ainda.

    Temos a certeza de que não deixará escapar uma oportunidade dessas. Seu livro "Our Man in Havana" é um "best-seller" atualmente na Rússia, o que não deixa de criar uma situação curiosa para esse denunciador dos falsos "paraísos terrestres" e seus adeptos partidários de uma ordem aparente, retratados com tanto realismo em "O Poder e a Glória", sua obra preferida.

    REAÇÃO CATÓLICA

    —Como explica a reação de um certo público católico contra a sua obra?
    —Talvez eu não seja muito ortodoxo e isso os assuste um pouco.

    —Uma de suas não-ortodoxias poderia ser a maneira como encara o problema do suicídio?
    —Não, minha posição nesse caso é definida, condeno-o em todos os sentidos. No momento há uma questão muito séria que mais tarde ou mais cedo a Igreja terá que encarar –é o "birth control". Eu mesmo não sei ainda o que pensar a respeito.

    —A piedade de Scobie, o personagem principal do "O Cerne da Questão", por sua amante Helen e por sua mulher Louise, às quais pretende não mais fazer sofrer, recorrendo ao suicídio, por achar mais fácil e justo ofender a Deus, que é invisível e do qual não poderá testemunhar a dor, do que a um ser humano ao alcance de suas mãos –seria cristã essa piedade?
    —Não, Scobie é um orgulhoso; ele quis colocar-se no lugar de Deus e proteger demais aos homens; sua piedade era passiva e triste e nada tem a ver com a verdadeira caridade.

    FIDEL E OSBORNE

    —O que pensa de Fidel Castro?
    —Ele merece que tenhamos paciência. Seu regime, comparado com o de Batista, é uma maravilha. Por que não confiarmos um pouco em quem conseguiu fazer uma mudança tão radical em um país? Seria exigir demais que ele não cometesse erros.

    —E dos "angry young man"?
    —O grande valor do grupo é inegavelmente Osborne. Os outros o seguem sem conseguir alcançá-lo. Gosto muito da sua peça "Look Back in Anger".

    —Os seus livros passados para o cinema chegaram a lhe agradar?
    —Não, o cinema deturpa muito o romance. Só três especialmente me agradaram: "O Terceiro Homem", "O Ídolo" e "O Nosso Homem em Havana".

    O AUTOR E O CINEMA

    Falou-nos Graham Greene no trabalho exaustivo que é fazer "script" para cinema. Ele e Carol Reed (excelente diretor) costumam se hospedar hotel, ocupando cada um, um quarto na extremidade do corredor, e ficando a secretária no meio para recolher os respectivos trabalhos depois de cada manhã. Só assim, evitam as discussões, que são todas transferidas para a hora do almoço, quando os três se reúnem e resolvem, geralmente, anular tudo e recomeçar novamente.

    —Como julga a atitude de Claudel frente ao problema de Gide?
    —A correspondência dos dois no início foi excelente, mas no momento em que Claudel se deu conta da natureza do problema (a homossexualidade) assustou-se e procurou afastar-se, perdendo a chance, devido à grande influência intelectual que exercia em Gide, de orientá-lo.

    AS CRÍTICAS

    —Existe alguma crítica de sua obra que o tenha ajudado a compreender melhor a si mesmo?
    —Não leio críticas de minha obra. Tornam-me consciente de mais e prejudicam-me muitas vezes a espontaneidade.

    O escritor precisava fazer sua "siesta", não podíamos incomodá-lo mais. O Pen Club deveria levá-los essa semana para conhecer Brasília. Despedimo-nos com esperança de uma possível pescaria no próximo "week-end", ideia que aceitou com entusiasmo e disposição.

    Deu-nos a impressão de um homem simples e honesto e profundamente ligado a tudo que escreveu, marcado por seus próprios livros e transformado por eles. E não poderia ser de outra maneira por parte de quem um dia disse: "Se chegássemos ao fundo das coisas, não teríamos piedade até das estrelas?".

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