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    Faltam argumentos convincentes para transformar o horizonte de Londres

    ROWAN MOORE
    DO "OBSERVER"

    21/04/2014 03h10

    Em carta aberta ao prefeito Boris Johnson, o crítico de arquitetura do "Guardian" pede uma discussão ampla sobre se os arranha-céus são a solução para a cidade

    Prezado Boris,

    Vamos concordar que torres podem ser belas. Vamos concordar, também, que Londres precisa de novas unidades residenciais, e muitas. É bem possível que muitos dos mais de 200 edifícios altos que estão sendo propostos possam exercer um papel útil, se, como o senhor diz, forem "administrados com sensibilidade, bem projetados e situados no lugar certo".

    Londres não é Amsterdã ou Viena, cidades cujo perfil herdado é conservado a qualquer custo. Mas tampouco, como o senhor disse certa vez, deve ser Dubai-on-Thames (Dubai à margem do Tâmisa). O senhor pode olhar para Strata SE1, o edifício proposto One Nine Elms ou as bolhas policromadas de Stratford e declarar que eles conquistaram seu lugar no palco londrino? Ou que o caos de espetos em Vauxhall será um elemento bem formado da cidade, algo do qual possamos nos orgulhar? Ou que os conjuntos de prédios propostos para Vauxhall e Waterloo não afetam o cenário que cerca o Palácio de Westminster e outros locais históricos? A Unesco acha que sim. O senhor já viu o efeito do "Walkie-Talkie" (20 Fenchurch Street) sobre as vistas da Torre de Londres e da Tower Bridge, a partir do sul do rio?

    O senhor pensa honestamente que uma quitinete no edifício One Blackfriars, com preço inicial de £1.015.000 (cerca de R$ 3,8 mi), é a melhor solução para a carência habitacional de Londres? Sessenta e cinco apartamentos serão criados entre o vigésimo andar e o topo do proposto edifício de 49 andares Ludgate House, também em Blackfriars. Será que essa redução mínima em seu alvo anual de 49 mil unidades residenciais justifica os andares a mais, que vão dominar a margem do rio por séculos?

    Como o senhor diz, algumas unidades residenciais de preço acessível são pagas pela construção de arranha-céus, através do mecanismo de ganho de planejamento. Mas essa não é a única maneira de obter esse ganho: edifícios mais baixos e/ou mais bem projetados poderiam ter o mesmo efeito. Existe alguma evidência de que arranha-céus são a melhor maneira de consegui-lo?

    Antes de lançar-se nessa transformação radical da cidade, alguém fez as contas? Quando pergunto a seu porta-voz se o senhor tem alguma prova dos números sendo criados por edifícios muito altos, recebo a resposta: "Não temos".

    Estou preocupado de modo geral com seu domínio dos dados. O senhor afirma que "segundo uma pesquisa recente, o 'Gherkin' (o 'Pepino', 30 St. Mary Axe) é o edifício favorito dos londrinos, seguido pelo Shard e pelo 'Cheesegrater' (o 'Ralador de Queijo', Leadenhall Building)". Deve ter sido a pesquisa Ipsos Mori em que se pediu às pessoas que escolhessem a melhor entre uma lista de 13 torres. O fato de as primeiras três serem todas altas não é mais revelador que o fato de a prova Grand National ter sido vencida por um cavalo.

    O senhor também diz que os novos arranha-céus são frutos de políticas que foram discutidas publicamente. Mas os efeitos cumulativos dessas políticas não foram mostradas a londrino algum, nem mesmo ao prefeito. As imagens que o "Observer" publicou em 30 de março são mais extensas que quaisquer outras vistas até então, mas mesmo elas mostram apenas partes da cidade. Muitos que as viram ficaram estarrecidos –não faziam ideia de que qualquer coisa assim estivesse acontecendo. As políticas foram traçadas às cegas, e muitas das consultas foram feitas apenas nominalmente.

    Em alguns momentos o senhor soa como um ministro da era Harold Wilson (duas vezes primeiro-ministro, entre 1964 e 1970 e entre 1974 e 1976), pregando a construção de megaestruturas em nome do progresso e do povo. O povo, conforme os resultados de outras perguntas formuladas na pesquisa Ipsos Mori, mostrou-se dividido na questão de se mais edifícios altos deveriam ou não ser erguidos. Mas uma maioria clara disse que não gostaria de viver nesses edifícios e considerou que os locais de sua construção e seu design são importantes. Antes de continuarmos a infligir às pessoas uma falocracia galopante, não deveríamos nos assegurar de estarmos atendendo aos desejos dessa maioria?

    Se Londres é de fato a maior cidade do mundo, como o senhor gosta de afirmar, ela também merece o maior planejamento, e não soluções descarregadas prontas de outros lugares. O senhor quer ser lembrado como o Homem que Arruinou o Tâmisa ou como o prefeito que mostrou ao mundo como unir densidade e beleza?

    Tradução de Clara Allain

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