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    Achincalhes e santos dominam festa literária em Bogotá

    SYLVIA COLOMBO

    11/05/2014 03h16

    Vargas Llosa de saia justa

    A Feira Internacional do Livro de Bogotá (Filbo), que se realiza até amanhã na capital colombiana, foi motivo de pelo menos duas saias justas para o Nobel peruano Mario Vargas Llosa.

    Tendo o Peru como país-tema, o evento tinha tudo para ser um palco de pura celebração ao autor de "Conversa no Catedral" (Alfaguara). Mas sua festa foi azedada, a princípio, pela morte do desafeto Gabriel García Márquez.

    Em entrevistas e nas duas palestras que fez, foi obrigado a tecer-lhe elogios e a reconhecer a grandeza da obra do Nobel colombiano, com quem, num passado distante, disputou a própria mulher e a posição de maior escritor do "boom latino-americano".

    "'Cem Anos de Solidão' ficará como um dos grandes textos da história da literatura. Não sei dizer o que acontecerá com os meus."

    A segunda saia justa aconteceu em sua principal fala, em entrevista ao colombiano Juan Gabriel Vásquez, no auditório do evento, para um público de mais de mil pessoas. Um homem levantou subitamente e acusou Vargas Llosa de manter um vínculo político com o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. Indignado, rasgou um dos livros do Nobel.

    Desta o peruano saiu-se muito bem: "Vocês, fundamentalistas, começam rasgando livros, depois saem matando gente. Obrigado pela sua intervenção. É por causa de pessoas como você que escrevemos os livros que escrevemos. Desejo-lhe uma longa vida".

    BRONCA BARULHENTA

    A eleição presidencial do próximo 25 de maio esteve presente em algumas das participações dos autores. A voz mais dura foi a do já renomado barulhento Fernando Vallejo, que há décadas radicou-se no México por conta de sua insatisfação com os colombianos. Para o autor de "A Virgem dos Sicários" (Companhia das Letras), os problemas de seu país-natal são a hipocrisia dos poderosos, a estrutura das famílias, que considera ditatorial, o poder da Igreja Católica e a ignorância de seus conterrâneos.

    Ele atacou o atual presidente e candidato a reeleição Juan Manuel Santos, que, em negociações para resgatar a paz no país, propõe que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) possam ter representação no Congresso para defender "seus ideais". "Matar, estuprar, sequestrar, extorquir, explodir torres de eletricidade e oleodutos, recrutar crianças, semear minas terrestres, isso são ideais? E sentados no Congresso? No covil de Ali Babá junto com os bandidos que temos por lá?"

    SANTO CHESTERTON

    Enquanto a mídia local e a estrangeira perdiam-se em discussões sobre quem foi melhor -Gabo ou Vargas Llosa-, novos autores colombianos conquistaram o público de forma inesperada. É o caso de Juan Esteban Constaín, 35, autor de "El Hombre que No Fue Jueves".

    À diferença dos escritores que costumam brilhar nesse tipo de eventos, Constaín é tímido, veste-se como um velho professor e demonstra erudição a cada declaração. Historiador e especialista em línguas clássicas, Constaín trata, em seu romance, da proposta de canonização do escritor britânico G.K. Chesterton, considerada de fato no Vaticano após a morte do autor. Constaín afirmou que queria jogar luz sobre a política por trás das canonizações e discutir a literatura em sua dimensão "sagrada".

    CADEIRA VAZIA

    Num momento em que os principais jornais colombianos, como "El Tiempo" e "El Espectador", se encontram alinhados à direita e em crise pelo esvaziamento publicitário, um site financiado por uma fundação norte-americana (Open Society, de George Soros) vem ganhando espaço no mercado jornalístico. Assim como os projetos "El Faro" (El Salvador), "Animal Político" (México) e "La Patilla" (Venezuela), "La Silla Vacía" centra suas reportagens no mundo do poder e no que acontece na Colômbia profunda, dos enfrentamentos com o narcotráfico às mobilizações agrárias e aos conflitos da mineração.

    A Redação conta com uma equipe de oito pessoas, encabeçada pela jornalista Juanita León. "Acho que encontramos um caminho de receita, juntando doações a oficinas e publicações, por meio do qual é possível manter a independência financeira e política", disse ela à Folha. "La Silla Vacía" já coleciona furos importantes, como o anúncio de que a Corte Suprema impediria a reeleição de Uribe. Eles acabam de lançar um livro de perfis políticos colombianos atuais.

    Nota:
    A jornalista viajou a convite da Investin Bogotá

    SYLVIA COLOMBO, 42, é repórter especial da Folha e assina o blog "Latinidades" no site do jornal.

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