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    Leve como o ar: o balão de Oiticica e dos irmãos Valentin

    ANDREAS VALENTIN
    THOMAS VALENTIN

    11/05/2014 03h25

    Rio/Nova York, 1974

    Conhecemos Hélio Oiticica (1937-80) no início dos anos 1960, quando, uma vez por semana, ele ia à nossa casa nos dar aulas de pintura. "Inventa!", repetia ele, quando, diante de uma cartolina vazia, perguntávamos o que fazer.

    Sempre em permanente invenção e experimentação, Hélio passou grande parte de sua efêmera vida escrevendo: foram milhares de páginas de anotações e, principalmente, cartas que enviava para os amigos mundo afora.

    Nosso convívio com ele transformou-se em amizade duradoura e consolidou-se em parcerias criativas. Em março de 1974, após uma temporada em Nova York, estabelecemo-nos novamente no Rio de Janeiro onde, ainda sob o "estado inventivo", realizamos projetos artísticos que se concretizaram em filmes, fotografias e proposições. Mantínhamos contato constante com nosso querido amigo por meio de telefonemas internacionais e, claro, muitas cartas.

    Esses escritos eram detalhados relatos de ideias, experiências e reflexões. De um lado, enviávamos informações do Rio, em plena ditadura militar, porém pulsando com shows de rock no Maracanãzinho, de Miles Davis no Theatro Municipal, filmes no Paissandu, no Cinema 1, além da praia de Ipanema, com seu hedonismo balneário, onde tudo e todos se encontravam.

    Acervo pessoal de Andreas Valentin
    Segunda página de carta de Helio Oiticica a Andreas Valentin de 31 de março de 1974. (crédito: Acervo Pessoal Andreas Valentin) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Trecho de carta de Hélio Oiticica aos irmãos Valentin (31.mar.74)

    As cartas recebidas de Nova York presentificavam e davam continuidade às experiências por nós ali vividas, mas sem qualquer sentimento de nostalgia. Ao contrário: eram como um criativo, divertido e performático "travelogue" do cotidiano nova-iorquino relatado por quem o conhecia tão bem.

    Muitas obras que tiveram a participação de Hélio Oiticica foram pensadas e desenvolvidas por meio de generosas trocas de informações escritas. Uma delas é a nossa CALL ME HELIUM que, agora, 40 anos depois de ser concebida, é realizada no Centro Cultural Correios no Rio de Janeiro. Antes mesmo de conceituar a obra, já tínhamos o nome. A frase foi pinçada por Hélio da última entrevista de Jimi Hendrix antes de sua morte e inserida no início de uma carta sua a Waly Salomão publicada na revista "Polem", em janeiro de 1974.

    Pensada como uma homenagem nossa a Hélio, a obra foi tomando forma através das cartas. A proposta inicial era, num domingo de sol na praia de Ipanema, içar um balão vermelho a uma altura de 20 metros com a frase pintada em dois lados.

    Enviamos as ideias para Hélio, que, euforicamente, respondeu com sugestões como as de que não usássemos aspas na frase, evitássemos sentimentalismo e moralismo quanto a Hendrix e que Silviano Santiago e os irmãos Campos fossem convidados.

    Em 7 de abril, poucos dias depois de receber a carta com essas reflexões, respondemos que logo enviaríamos a proposição, que deveria ser a mais simples possível, de fácil e imediata execução, como se "fosse algo chamando a atenção numa situação onde normalmente nada acontece e que, depois de acontecer, novamente nada aconteceria".

    Sucederam-se vários longos telefonemas, nos quais, claro, o assunto nunca era apenas CALL ME HELIUM. Falávamos das coisas e pessoas daqui, e ele, das de lá, chegando sempre ao mesmo desfecho, com Hélio, aos gritos e gargalhadas, dizendo: "Pois é, eu aqui sei de mais coisas daí que vocês aí!". Ou, ainda: "Eu aqui faço coisas aí! Ha! Ha! Ha!".

    No final daquele mês, ele nos enviou cópias de três páginas de seu caderno NTBK 4/73 , com contribuições e reflexões minuciosamente detalhadas, que deveriam se somar às nossas. E, assim, a obra foi se construindo e tomando forma, sempre colaborativa e, principalmente, leve como o ar.

    Nossa troca epistolar foi mantida até a volta de Hélio ao Brasil, em 1978. São dezenas de páginas que se configuram como relatos de tempos passados, nos quais, em meio também a muitas fofocas, afloram emoções que legitimam aquilo que de mais precioso pode haver entre indivíduos: amizade e confiança eternas.

    ANDREAS VALENTIN, 61, fotógrafo e professor de pós-graduação em fotografia no Iuperj, é autor de "A Fotografia Amazônica de George Huebner" (Nau).

    THOMAS VALENTIN, 66, é engenheiro e fotógrafo. Com o irmão, Andreas, exibe CALL ME HELIUM no Centro Cultural Correios (RJ) até 13/7.

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