• Ilustríssima

    Sunday, 05-May-2024 11:12:42 -03

    A arte de Norman Rockwell, antes desprezada, está se valorizando

    JAMES B. STEWART
    DO "NEW YORK TIMES"

    01/06/2014 03h03

    "O maior pecado de Rockwell como artista é simples: sua arte é feita de clichês intermináveis."

    Com essa crítica publicada no "Washington Post" de uma exposição de pinturas de Norman Rockwell no Smithsonian em 2010, Blake Gopnik somou-se a uma longa sequência de críticos destacados que atacaram Rockwell, artista e ilustrador americano que retratou a vida de meados do século 20 nos Estados Unidos e que morreu em 1978.

    "Norman Rockwell foi desprezado por uma geração de críticos que o enxergavam como inimigo não apenas da arte moderna, mas de toda arte", comentou Deborah Solomon, cuja biografia de Rockwell, "American Mirror", foi publicada no ao passado. "Ele foi visto como um humilde ilustrador de calendários cujo trabalho não guardava relação alguma com as ambições elevadas da arte", ela disse. Ou, como ela escreveu no livro, como "cafona e quadrado". O pouco-caso crítico "foi obviamente motivo de muita tristeza para ele ao longo de sua vida", acrescentou Solomon, colaboradora frequente do "New York Times".

    Hoje, porém, Rockwell passa por uma grande reavaliação crítica e financeira. Em seus leilões de primavera de arte americana, as grandes casas de leilões priorizaram duas telas de Rockwell: "After the Prom", no caso da Sotheby's, e "The Rookie", da Christie's. "After the Prom" foi vendido por US$ 9,1 milhões (cerca de R$ 20,2 milhões) na quarta-feira, e "The Rookie" foi arrematado na quinta-feira por US$ 22,5 milhões (cerca de R$ 50 milhões).

    Em dezembro, "Saying Grace" bateu um recorde para trabalhos de Norman Rockwell em leilões, sendo vendido pela Sotheby's por US$ 46 milhões (cerca de R$ 102 milhões).

    Rockwell ainda não alcançou o nível de Francis Bacon (preço mais alto em leilão: US$ 142,4 milhões), Picasso (US$104,5 milhões) ou Andy Warhol (105,4 milhões), todos os quais acabaram com o tempo ganhando a adesão da crítica, mas está prestes a ingressar no grupinho seleto de artistas cuja obra é reconhecível instantaneamente, não apenas por sua qualidade artística, mas também, para melhor ou para pior, pelos muitos milhões de dólares necessários para adquirir um de seus trabalhos.

    Deixando de lado qualquer reavaliação crítica, as pinturas de Rockwell mostram que na arte, assim como no mercado de ações, pode valer a pena ser do contra. As telas de Rockwell mostraram ser um ótimo investimento. "After the Prom" tinha sido vendido pela Sotheby's pela última vez em 1995, por US$880 mil. O preço de venda desta semana representa um retorno anual composto de 13,1%, contra os 7,9% do índice Standard & Poor's 500 no mesmo período.

    Michael Moses, professor aposentado de economia na Escola Stern de Administração de Empresas da Universidade New York e co-fundador do Índice Mei Moses de Arte, disse que seu banco de dados contém 39 trabalhos de Norman Rockwell vendidos em leilão mais de uma vez. Vistos em conjunto, seus preços de venda representam um retorno anual de 9,7% entre 1960 e 2008 (as vendas mais recentes não estão incluídas no cálculo). "Isso é muito bom mesmo para um pintor americano", ponderou Moses.

    Suas pesquisas, disse Moses, indicam que o conselho "compre o melhor", ou o mais aclamado pelos críticos, não se confirma pelos fatos, pelo menos no que diz respeito aos retornos sobre o investimento. "Rockwell era tão pouco apreciado que havia amplo espaço para valorização", ele explicou. As pinturas já aclamadas como obras-primas pela crítica "tendem a ter performance decepcionante no mercado", ele disse. "Parece que não é preciso ser especialista em arte para conseguir bons retornos sobre investimentos."

    Para contextualizar os preços multimilionários recentes alcançados por trabalhos de Rockwell, disse Moses, "esses preços são altíssimos pelos padrões das pinturas americanas, que tendem a ser subvalorizadas". Em leilões de arte e em galerias, a categoria de pintura americana não inclui trabalhos abstratos e de pop art do pós-guerra e contemporâneos, mas abrange pinturas realistas. "Há uma grande pintura de Georgia O'Keeffe que a Sotheby's vai pôr à venda que foi estimada em apenas US$2 milhões a US$3 milhões", falou Moses. "O'Keeffe é exponencialmente mais aclamada pela crítica que Rockwell. Ou tome-se o caso de Albert Biersdadt, um dos maiores pintores americanos do século 19. Há uma tela de Bierstadt na Sotheby's estimada em entre US$1 milhão e US$1,5 milhão. Winslow Homer pode vender por valores do tipo que Rockwell vem obtendo. Mas, com US$40 milhões, você realmente está falando de outro nível."

    Brian Snyder - 29.abr.2014/Reuters
    Peter Rockwell, filho de Norman Rockwell,olha a pintura de seu pai "The Rookie (Red Sox Locker Room)", de 1947
    Peter Rockwell, filho de Norman Rockwell,olha a pintura de seu pai "The Rookie (Red Sox Locker Room)", de 1947

    A explicação dessa valorização súbita e, para muitos, inesperada no preço dos trabalhos de Rockwell data de pelo menos 2001, quando o Museu Guggenheim fez uma grande retrospectiva da obra do artista. Acontecendo logo após os ataques terroristas ao World Trace Center, a exposição pode ter tocado fundo as emoções do público americano sedento pela tranquilização proporcionada pelos valores americanos tradicionais captados na visão de Rockwell. "Aquela foi a grande virada", comentou Solomon. "Finalmente Rockwell ganhou reconhecimento do mundo das artes. Mesmo assim, alguns críticos ficaram indignados com a exposição. "O Guggenheim está sujando a reputação que conquistou graças a gerações de artistas", Jerry Saltz escreveu no "Village Voice". Mas a mostra bateu recordes de público.

    No ano seguinte à exposição no Guggenheim, "Rosie the Riveter", uma das imagens mais famosas de Rockwell, foi vendida por quase US$5 milhões pela Sotheby's, marcando um recorde para o artista. Mais tarde a tela foi revendida por um preço não revelado ao Museu Crystal Bridges de Arte Americana, de Bentonville, Arkansas, fundado pela herdeira do Walmart, Alice Walton.

    Em 2006, "Breaking Home Ties" marcou outro recorde quando foi vendido por US$15,4 milhões, muito acima de seu preço estimado, US$4 milhões a US$6 milhões. Acredita-se que o comprador tenha sido H. Ross Perot, ex-candidato presidencial e fundador da Electronic Data Systems. A pintura já foi vista pendurada em seu escritório.

    Rockwell também ganhou o selo de aprovação de Hollywood. Dois dos diretores de cinema mais famosos do país, George Lucas ("Star Wars") e Steven Spielberg ("E.T.") estavam comprando trabalhos de Rockwell. Lucas disse a um entrevistador do Smithsonian, que promoveu uma exposição das coleções de Rockwell dele e de Spielberg, "Telling Stories", em 2010, que Rockwell "é um grande contador de histórias e usou artifícios cinematográficos". "Ele criava o 'elenco' de uma pintura", disse Lucas. "Não era simplesmente um grupo aleatório de personagens."

    Outros também estavam descobrindo novas profundezas na obra de Rockwell. Solomon comentou: "Para mim, o que distingue os melhores entre os trabalhos de Rockwell é o fato de serem baseados em emoção real. Tome-se o caso de 'The Rookie', uma grande pintura. Ela capta a tensão entre duas gerações, quando um jovem (o 'rookie', ou novato) chega e os veteranos percebem que acabam de conhecer quem vai tomar seu lugar. O tempo deles é limitado. Não importa se são jogadores de beisebol, repórteres de jornal ou bombeiros. A tela fala do tempo e de como uma geração toma o lugar de outra."

    Laurie Norton Moffatt, diretora do Museu Norman Rockwell, de Stockbridge, Massachusetts, observou: "O que estamos vendo acontecer no mercado é que os colecionadores, de certo modo, estão captando a qualidade incrível e a mensagem e o significado duradouros das pinturas de Rockwell. Há um punhado dos trabalhos deles que possuem ressonância icônica e significado duradouro, e são essas que estão realmente decolando no mercado."

    Andy Warhol foi um dos primeiros artistas destacados a reconhecer o mérito de Rockwell. Em 1968 ele foi a uma mostra numa galeria e comprou duas obras, um retrato de Jacqueline Kennedy (que ele próprio usou como icônico tema de retratos) usando colar de pérolas e "Extra Good Boys and Girls", que mostra outra figura icônica, Papai Noel, traçando num mapa-múndi o caminho que vai percorrer.

    Apesar do contraste entre seus estilos, os trabalhos de Rockwell –e seus preços em leilões recentes– vêm atraindo comparações com Warhol. "De algumas maneiras, Norman Rockwell é para a pintura americana o que Warhol é para a arte contemporânea", falou Elizabeth Goldberg, diretora de arte americana na Sotheby's. "Você entra num ambiente e sabe imediatamente quem é o artista. Ambos são artistas prolíficos e vibrantes. São imagens com quem as pessoas sentem uma conexão imediata."

    E, disse Moses, o reconhecimento é um elemento crítico para as pinturas mais caras, hoje em dia. Rockwell, disse ele, é "instantaneamente reconhecível. As pessoas sabem o que ele vale. Sua arte agrada a um certo tipo de comprador rico. Como disse Zero Mostel, 'se você tem, mostre para todos verem'."

    Reprodução
    "Triple autoportrait" (1960), de Rockwell
    "Triple autoportrait" (1960), de Rockwell

    Hoje os museus disputam os melhores exemplares da arte de Rockwell, mas poucos têm condições de comprá-la. O Museu de Belas Artes de Boston expôs "The Rookie" por seis dias este ano e atraiu grandes multidões. "Pessoas de todas as idades e os tipos reagem à imagem", comentou Elizabeth Beaman, especialista sênior em arte americana da Christie's, que observou as reações dos visitantes. "Há algo de universal na obra de Rockwell. Devido às exposições em museus e à reação dos colecionadores em leilões, ele finalmente foi recebido no círculo de elite dos artistas americanos."

    O que o próprio Norman Rockwell pensaria disso? "Ele ficaria incrédulo", opinou Solomon. Homem modesto ao extremo, ele se contentava em ser pago por seus patrões em revistas e nunca procurou expor em galerias. Doou muitas de suas telas a familiares, amigos, vizinhos ou colegas de trabalho.

    Em 1952 Rockwell vendeu uma de suas imagens mais famosas, "Town Meeting", um estudo a óleo para "Freedom of Speech", ao Museu Metropolitano de Arte por US$ 100, e, segundo o "Saturday Evening Post", soltou um "gritinho de alegria" quando soube que a tela tinha sido comprada pelo Met. Foi o primeiro museu a adquirir uma de suas obras.

    Mas algumas coisas não mudaram. A pintura não está visível em nenhum lugar na ala americana do Met, recentemente ampliada e reorganizada. O site do museu na internet diz simplesmente "não exposta". O museu não respondeu a um pedido de declaração sobre o assunto.

    Moffatt dirige o Museu Rockwell há 28 anos, e, contou, durante boa parte desse tempo "divergimos do resto do mundo das artes. Mas eu dizia a mim mesma que Rockwell suportou esse desdém, esse menosprezo por sua arte. Ele era o criador dela, mas perseverou e continuou a criar estas obras-primas maravilhosas. Isso sempre me incentivou a seguir adiante."

    Ela acrescentou: "Acho que agora vivemos uma nova era. Os ideais representados na obra de Rockwell são atemporais e encontram eco profundo. Essa é uma qualidade da grande arte ao longo dos séculos."

    Tradução de CLARA ALLAIN

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024