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    Apesar do retorno da polêmica sexual, novo Woody Allen conquista NY

    EDWARD HELMORE
    DO "OBSERVER", EM NOVA YORK

    25/07/2014 13h02

    No último dia 17, na saída da première em Nova York de seu filme mais recente, Woody Allen estava mais que satisfeito com a recepção dada ao filme (e com os convidados famosos). Mas mesmo ele tem consciência de que esse nível de produção prolífica vai ter que terminar em algum momento. "É difícil encontrar uma história com um bom começo, meio e fim e que divirta o público", ele disse ao "Observer". "Com o tempo, o estoque de histórias vai acabar. Vou cair duro com um derrame cerebral ou alguma coisa assim."

    Allen tem 78 anos, e a recepção dada a "Magia ao Luar", seu quarto trabalho em três anos, confirmou que ele é um tesouro americano de primeira ordem, não obstante as sombras escuras que pairam sobre sua vida privada.

    Lucas Jackson - 17.jul.2014/Reuters
    O diretor Woody Allen na première de seu novo filme em Nova York
    O diretor Woody Allen na première de seu novo filme em Nova York

    A presença de muitas figuras famosas na première, desde a editora de moda Anna Wintour até o ex-comissário de polícia de Nova York Ray Kelly, pareceu decidir a discussão sobre se ele deixaria de ter apoio depois de alegações de abuso sexual infantil terem sido renovadas no "New York Times" este ano. Hoje, Woody Allen faz sucesso mais constante que em qualquer outro momento de sua carreira, que já dura cinco décadas.

    Mesmo assim, este vem sendo um ano complicado. Em fevereiro, o diretor foi questionado publicamente por sua filha adotiva Dylan Farrow, que reiterou as alegações –feitas inicialmente por Mia Farrow no começo dos anos 1990– de que ele a tinha molestado sexualmente. As acusações foram feitas no momento em que Allen estava prestes a receber um Globo de Ouro pelo conjunto de sua obra. Ele rejeitou a acusação, dizendo que uma investigação policial anterior o exonerou e que não iria mais se pronunciar sobre o assunto.

    Na semana passada ele repudiou a sugestão de que o público pode ser afetado. "Acho que nunca alguém veio ver um filme meu sem pensar que teria prazer em vê-lo", ele disse ao "New York Times". "Se as pessoas pensam que vão curtir o filme, nada as afasta. E se não pensam que vão curtir o filme, nada que possamos fazer as convence a vir."

    Mas ele parece ter ganho a guerra de relações públicas. Um agente cinematográfico veterano disse na semana passada que o fato da sociedade nova-iorquina ter ido à première foi importante. As acusações originais foram um desastre profissional para Woody Allen, mas sua repetição parece ter prejudicado mais à sua ex-mulher Mia Farrow, hoje vista por alguns como ex-companheira vingativa.

    Enquanto isso, o diretor não dá sinais de estar reduzindo sua carga de trabalho. Ambientado na Côte d'Azur na década de 1920, com Colin Firth no papel de um ilusionista célebre e Emma Stone como candidata a médium, "Magia ao Luar" chega na esteira de "Meia-Noite em Paris" e "Para Roma com Amor". E houve "Blue Jasmine", que valeu a Cate Blanchett um Oscar de melhor atriz. Cada um desses filmes foi lucrativo; "Meia-Noite em Paris" arrecadou US$173 milhões (cerca de R$ 386 milhões).

    A indústria do cinema ignorou os chamados de Farrow ao boicote dos filmes de Allen, que agora trabalha sobre um novo filme, este com Emma Stone e Joaquin Phoenix, enquanto estuda outros trabalhos.

    As resenhas críticas só sairão na próxima semana, mas já está claro que "Magia ao Luar" é um trabalho altamente pessoal. Woody Allen trabalhou por um período breve como ilusionista. Ele disse ao "Observer" que o filme foi inspirado numa história que leu sobre falsos espiritualistas que o ilusionista Harry Houdini se esforçava para expor.

    David Thomson, crítico e autor de "The New Biographical Dictionary of Film", diz que Woody Allen é um contador de histórias. Embora "Magia ao Luar" possa não ser uma de suas melhores, "isso não quer dizer que no próximo ano ele não vá criar uma história ótima. Como é o caso com qualquer narrador, algumas de suas histórias funcionam, outras, não. Mas por que os atores fazem fila para trabalhar com ele? A resposta, é claro, é que Woody Allen já virou um nome tão respeitado que trabalhar com ele funciona como uma medalha de honra. É quase um rito de passagem."

    De acordo com Colin Firth, seria uma insensatez deixar de aproveitar os anos de conhecimento especializado contidos nesse cérebro de diretor. "Seus roteiros, o modo como concebe os personagens, as tramas em que ele os coloca, tudo isso favorece os atores", ele disse. "Magia ao Luar", tendo "You Do Something To Me", de Cole Porter, como trilha sonora repetida, também assinala a nostalgia que Allen sente da elegância e estética de tempos passados.

    Para um cineasta tão dedicado ao trabalho quanto é Woody Allen, a investigação –aos 78 anos de idade– de questões de espiritualidade e racionalidade torna o filme ainda mais interessante, diz Thomson: "Uma condição do trabalho criativo é que as pessoas criativas enfrentam grandes dificuldades na vida, então elas procuram algo que se pareça com a vida. Woody Allen tem um nicho e um público. Ele cria filmes com um orçamento determinado que atraem um público suficiente para lhe permitir fazer o que ele quer fazer."

    Esse fato pode ajudar a explicar a razão de Allen nunca ter aderido a Hollywood. "Alguém como ele, um contador de histórias nato, poderia ter ganhado muito mais dinheiro trabalhando em Hollywood. Acho que Allen gosta quando seus filmes fazem sucesso comercial, mas não é isso o que o leva a continuar." Para o crítico, Allen se restaurou profissionalmente. Em espírito, ele continua a ser o personagem cético e neurótico que sempre foi.

    "Sou como Blanche DuBois", Allen falou em entrevista recente ao "New York Times". "Espero que haja um certo tanto de magia no mundo. Infelizmente, não há o suficiente. Há coisinhas esporádicas que podemos considerar que são mágicas. Mas na maior parte do tempo, é a realidade dura e crua."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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