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    Frisos do Parthenon são a mais bela arte do mundo e devemos devolvê-los

    JONATHAN JONES
    DO "GUARDIAN"

    22/08/2014 14h33

    Essas esculturas de consumada beleza exigem o entorno certo e uma viagem a Atenas me convenceu de que o Museu da Acrópole é o lugar para elas

    O que se deve fazer com a mais bela arte do planeta? Onde ela deve ficar? Como ela deve ser mantida e exibida?

    A arte em questão é um conjunto de esculturas criadas no século 5 a.C. para decorar o Parthenon, o templo a Palas Atena que ainda hoje domina o panorama na capital da Grécia.

    Os mais bem preservados desses frisos de pedra, que sobreviveram no templo até o começo do século 19, foram notoriamente removidos por lorde Elgin e transportados a Londres, onde desde então adornam o Museu Britânico. É igualmente notório que a Grécia deseja os frisos do Parthenon (também conhecidos como "mármores de Elgin") de volta –e em 2009 inaugurou um moderno museu no sopé do monte da Acrópole, no qual se localiza o Parthenon, para abrigá-los.

    Alkis Konstantinidis - 25.abr.2014/Reuters
    Turistas visitam o museu da Acropolis, em Atenas
    Turistas visitam o museu da Acropolis, em Atenas

    Onde as esculturas do Parthenon deveriam realmente ficar? Para chegar à resposta justa, certa e sensata, preciso começar pela alegação inicial: trata-se da mais bela arte do mundo. As peças têm apenas alguns poucos rivais nos mais altos escalões da realização artística –estou falando de Leonardo da Vinci, ou de Michelangelo.

    Mas as esculturas do Parthenon foram criadas dois mil anos antes das obras-primas da Renascença. Têm uma vida, energia, calma e grandeza que lhes são próprias. As figuras das deusas reclinadas, no frontão leste, por exemplo, são sínteses espantosas mas fluidas de massa e graça, mais sonhos que objetos. As veias que pulsam nos flancos equinos de um centauro, o sofrimento dos animais mugindo aos céus enquanto são conduzidos ao sacrifício –detalhes como esses se unem em uma beleza consumada que, repito, só tem como rival a mais exaltada arte da Renascença.

    Se os afrescos da Capela Sistina tivessem sido removidos do local em que foram pintados e pendurados nas paredes da National Gallery britânica, nós os apreciaríamos da mesma forma? Não. Enfrentaríamos dificuldade para imaginar a verdadeira força da pintura de Michelangelo em seu local de origem. Ficaríamos privados da sensação de estender o pescoço para contemplar os afrescos, da empolgação da caminhada pelo Vaticano que nos conduz a eles, e até das complicações da fila. Contexto faz diferença.

    A triste verdade é que, no Museu Britânico, as esculturas do Parthenon não são experimentadas da melhor maneira possível. Para começar, estão expostas em um salão cinzento, neoclássico, cujas paredes de pedra não contrastam o bastante com essas obras de arte em pedra –é um espaço morto que atenua a maior arte da Grécia em lugar de iluminá-la. Assim, se o Museu Britânico deseja manter essas obras-primas, precisa encontrar dinheiro para mudar completamente sua forma de exposição, criando um ambiente mais moderno.

    Ou poderia doá-las à Grécia, que já construiu um soberbo museu moderno para abrigá-las. A melhor coisa sobre a exibição das esculturas do Parthenon no Museu da Acrópole –que no momento inclui peças deixadas por Elgin, e reproduções em gesso– é que ela torna fácil ver como as esculturas se enquadravam ao edifício, e como elas funcionam em conjunto. O museu também tem uma vantagem que Londres jamais poderá equiparar –pode-se olhar das esculturas, pela parede de vidro do museu, e ver o Parthenon, o que cria uma conexão sensual entre a arte e seu lar arquitetônico.

    Da primeira vez que visitei o Parthenon, fiquei encantado com sua leveza e perfeição únicas, e pensei que os mármores do Parthenon precisavam voltar a Atenas, o que me parecia absolutamente óbvio. Depois descobri mais sobre a campanha por sua devolução. Ela parecia girar demais em torno do orgulho nacional e não o bastante em torno da arte. Não ligo para nacionalismo; só ligo para a melhor maneira de exibir essa arte estupenda de modo a que todos possam sentir seu poder. A maneira pela qual o debate sobre os mármores de Elgin fez da arte refém da ideologia é uma terrível distração, quando o que importa é olhar as malditas esculturas.

    Graham Barclay - 6.fev.2006/Bloomberg
    Visitante caminha ao lado de esculturas do Parthenon no Museu Britânico, em Londres
    Visitante caminha ao lado de esculturas do Parthenon no Museu Britânico, em Londres

    A retórica que cercava os frisos do Parthenon me alienou a tal ponto que argumentei (na Cambridge Union) contra sua devolução. Boa parte do caso grego continua a ser falsa ou injusta. No novo Museu da Acrópole, por exemplo, um vídeo denuncia Elgin por "subtrair" as esculturas. Não foi tão simples assim. Uma argumentação honesta pela devolução dessas obras de arte à Grécia precisa reconhecer que elas foram bem cuidadas pelo Museu Britânico. As esculturas que estão em Londres estão em condição física soberba. Pode-se contemplar seus mínimos detalhes. O mesmo não vale para os espécimes em Atenas –os quais sofreram pesados danos com a poluição e muitas perderam as sutilezas de suas formas.

    Mas isso ficou no passado. Nos anos 70, quando o Parthenon mesmo estava sendo corroído pela poluição atmosférica, as esculturas estavam mais seguras em Londres. Hoje, o lugar delas é o Museu da Acrópole.
    Nacionalista ou não, a Grécia provou que ama essa arte e que a vê pelo que é. É a Grécia, e não o Museu Britânico, que merece abrigar a mais bela arte do mundo, pelo bem do mundo. E da arte.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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