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    Mais um retorno de Lassie, agora como cão de vendas

    BROOKS BARNES
    DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES

    24/08/2014 03h24

    Talvez fossem os três relações públicas que a acompanhavam. Talvez seu penteado estivesse definhando sob o calor dos holofotes de TV. Ou talvez um cachorro, ainda que um cachorro do mundo do espetáculo, não seja a escolha certa como meteorologista.

    Qualquer que tenha sido o motivo, Lassie não parecia concentrada diante das câmeras da KTTV, a estação local de TV da rede Fox em Los Angeles, no mês passado. Escalada para ajudar na meteorologia, ela latiu fora de hora e deixou escapar uma torrente de baba inesperada. "Não sei direito", disse um dos âncoras da Fox ao final do segmento, "mas parece que Lassie está irritada".

    KTTV/The New York Times
    Lassie e a meteorologia de Los Angeles com Maria Quiban da KTTV
    Lassie e a meteorologia de Los Angeles com Maria Quiban da KTTV

    Pouco importa. Os relações públicas expressaram aprovação unânime, dizendo que a participação havia cumprido seu papel: aproximado Lassie um passinho mais de um retorno à fama. "Belo trabalho, lindo", disse Ame Van Iden, uma das integrantes da equipe de relações públicas, acariciando o focinho de sua cliente.

    Como é que Hollywood ensina truques novos a um cachorro velho? Atenção, Toto, porque a DreamWorks Animation, que em 2012 tomou o controle da marca Lassie, quase desaparecida, está lançando a campanha de retorno mais espetacular da história das campanhas de retorno. Inicialmente indeciso quanto ao que fazer sobre um amado mas ligeiramente antiquado símbolo dos valores e tradições norte-americanos, o estúdio está agora convencido de que um singelo collie ainda tem o que mostrar no mundo do Grumpy Cat.

    O comum é que estúdios de cinema reapresentem velhos personagens por meio de novos filmes. Mas a DreamWorks Animation descartou a ideia, ciente de que as aventuras rurais de Lassie teriam pouca relevância para espectadores mais acostumados a explosões, alienígenas e super-heróis. Em lugar disso, o estúdio decidiu que a melhor esperança de faturar com Lassie era torná-la uma estrela do merchandising, e decidiu apelar a uma técnica tão antiquada quanto sua estrela, mas perfeitamente apropriada a ela: aparições publicitárias em eventos.

    People.com/The New York Times
    Lassie ajuda a revista People a decidir quais acessórios vão parecer na revista
    Lassie ajuda a revista "People" a decidir quais acessórios vão parecer na revista

    Com isso, o calendário de Lassie neste trimestre está repleto de participações em eventos de costa a costa dos Estados Unidos. A revista "Vanity Fair" recentemente concordou em publicar um artigo sobre o regime de beleza de Lassie ("ela é como a Kate Middleton dos animais: pose e cabelos perfeitos", a publicação afirmou.) Os novos relações públicas da cadela a levaram à revista "People" para fazer um vídeo; Lassie ajudou a selecionar as fotos que seriam usadas na capa e aguardou pacientemente sentada enquanto os editores de acessórios a enfeitavam com joias.

    "Ao contrário do que é comum em Hollywood, Lassie parece maior em pessoa", disse Ryan Seacrest aos ouvintes de seu programa de rádio quando Lassie passou pelo estúdio.

    Promoção esperta é uma especialidade de Hollywood, é claro, mesmo para produtos difíceis de vender (como por exemplo maus filmes). Mas a DreamWorks Animation apostou muito nesse personagem de 76 anos de idade. O estúdio, que sofreu prejuízos nos dois últimos trimestres, está correndo para expandir suas operações de merchandising e com isso se tornar menos dependente do volátil faturamento dos filmes. Os especialistas dizem que, caso a ideia encontre sucesso, Lassie poderia gerar dezenas de milhões de dólares em receita adicional para a empresa.

    Sadao Turner/Ryan Seacrest Enterprises
    Lassie nos estúdios do programa de rádio de Ryan Seacrest
    Lassie nos estúdios do programa de rádio de Ryan Seacrest

    "Nossas ambições são mundiais", disse Michael Francis, o vice-presidente de marca da DreamWorks Animation. "Comida e acessórios para cachorros, serviços de beleza e treinamento para cachorros", em comunicação dirigida primordialmente a adultos. Nenhum dos produtos planejados com a marca Lassie está disponível, até o momento, mas o estúdio diz que acordos para isso estão sendo negociados.

    Ressuscitar o personagem é uma prioridade tão importante que até Jeffrey Katzenberg, o presidente-executivo do estúdio, está fazendo telefonemas a respeito. Ele ligou para Harvey Weinstein e o convenceu a usar Lassie em um novo episódio da série "Project Runway". Katzenberg também propôs usar o animal como convidado no reality show "The Amazing Race".

    "Não há coisa alguma que Lassie não seja capaz de fazer", ele diz. (Bem, exceto coisas que não ficam bem para um animal VIP. Dica: não jogue objetos e peça que ela apanhe.)

    O personagem, baseado em um collie real chamado Toots, apareceu pela primeira vez em 1938 no semanário "Saturday Evening Post" - o que, em anos de cachorro, quer dizer 532 anos atrás. O filme "Lassie Come Home" estreou em 1943. E a série "Lassie", da rede de TV CBS, se tornou o seriado dramático com a terceira mais longa duração na história da TV norte-americana, com 19 temporadas, atrás de "Gunsmoke" e "Law and Order".

    Mas Lassie não vinha em boa forma, nos últimos anos. Antes de chegar ao controle da DreamWorks Animation como parte de uma transferência de direitos de personagens que custou US$ 155 milhões, a marca vinha passando por instabilidade, e pertenceu a dois outros proprietários nos últimos 12 anos. O filme "Lassie", de 2006, só arrecadou US$ 652.163 nas bilheterias da América do Norte.

    Inseguro sobre a melhor maneira de renovar a enferrujada marca, o estúdio recorreu a pesquisas de mercado e, para sua alegria, descobriu que Lassie continua a deter awareness de marca de 83% entre os norte-americanos; palavras como "lealdade", "heroísmo" e "ternura" são as mais associadas ao personagem.

    "Percebemos que Lassie tem uma autenticidade que faz dela um ideal para o merchandising", disse Francis. Ele sabe do que está falando: antes de ser contratado pela DreamWorks Animation, em 2013, Francis respondia pelo marketing da rede de supermercados Target, onde criou Bullseye, o terrier que serve de cão de vendas para a companhia.

    Não existem planos para um filme ou série de TV com Lassie. Francis diz que os estudos de marca o convenceram de que esses esforços não eram necessários. Entretenimento filmado também é caro, e o personagem teria de ser atualizado - ainda que talvez não a ponto de usar uma capa.

    "Eu adoraria acreditar que as crianças modernas curtiriam assistir a Lassie brincando com Timmy na pradaria", diz Jeanine Basinger, historiadora do cinema. "Mas temo que elas ficariam horrivelmente entediadas, a menos que ela se transformasse em um supercão que explode coisas, e isso seria um sacrilégio".

    "E Lassie sempre foi uma atriz fraca, de qualquer jeito", acrescentou Basinger.

    A atual Lassie é a 10ª em sua linhagem. A marca registrada requer um animal com quatro patas brancas e uma marca branca no focinho, até o nariz, e maquiagem não é usada, ainda que a Max Factor tenha produzido uma peruca para uma Lassie que estava perdendo os pelos, nos anos 60. (O animal também sofre de desorientação sexual: por motivos de tamanho, entre outros, "ela" é sempre interpretada por um collie macho.)

    Organizações assistenciais são parte importante do esforço para trazer Lassie de volta à cena. A DreamWorks Animation pediu que a Best Friends Animal Society e a Save the Children apontassem Lassie como embaixador animal. Julie Castle, vice-presidente de marketing da Best Friends, uma organização que opera abrigos para animais nos quais eles não são sacrificados, assinou de imediato.

    "Lassie é um tesouro nacional", disse Castle.

    A Save the Children, cujas atividades beneficiam crianças em zonas atingidas por desastres naturais e em países em desenvolvimento, foi mais cautelosa. Queria saber se as crianças ainda conheciam Lassie.

    Erin Bradshaw, diretora sênior da organização, disse que suas reservas logo desapareceram quando o animal apareceu em comícios de segurança sobre tornados, em maio, no Oklahoma. "Eles a reconheceram de imediato", diz Bradshaw. "Fiquei muito surpresa".

    Todas as aparições publicitárias são calculadas cuidadosamente. E se Lassie apanhasse uma bola de beisebol no estádio em um jogo dos Dodgers? Não, arriscado demais. A presença do animal em "Good Day L. A.", da KTTV, foi meticulosamente planejada. Uma semana antes do programa ao vivo, Van Iden, a relações públicas, enviou um e-mail ao diretor de talentos do programa, com o título "coisas que Lassie pode fazer", todo em maiúsculas. Primeiro item: "Ela pode sentar em uma cadeira".

    Mostrá-la no camarim era outra opção. "Ela pode estar sentada ou deitada no sofá, e aparecer ou dormindo ou alerta", escreveu Van Iden.

    Quando Lassie chegou, Maria Quiban, a meteorologista da KTTV, sugeriu improvisos. Mas a relações públicas vetou a ideia. "Tudo bem, tudo bem, vamos ficar com o combinado", brincou Quiban. "Essas celebridades são todas iguais".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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