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    Produções de teatro ao vivo em formato stream nas salas de cinema

    ISABEL BERWICK
    DO "FINANCIAL TIMES"

    07/09/2014 03h03

    Os prós e contras de uma nova mídia que conquistou uma grande e leal audiência em todo o planeta

    Em 30 de dezembro de 2006, o Metropolitan Opera de Nova York (Met) realizou um experimento. Aproveitando seus 75 anos de experiência com transmissões de rádio ao vivo de suas matinês de ópera, o Met realizou uma transmissão em formato stream de uma apresentação de "A Flauta Mágica", para mais de 100 salas de cinema, principalmente nos Estados Unidos e Canadá mas também no Reino Unido e Japão (e para um cinema da Noruega). Como reportou o "New York Times", o evento foi considerado um sucesso. As salas que exibiram a ópera registraram ocupação média de 90% de seus assentos. Como seria de prever aconteceram alguns tropeços técnicos. E também surgiram cenas inesperadas e tocantes: "Em salas de cinema de todos os Estados Unidos, no sábado, os espectadores fizeram algo de inesperado durante a atração principal do programa: elas aplaudiram".

    Passados quase oito anos, salas de cinema de todo o mundo continuam a aplaudir ao final das apresentações de ópera exibidas em formato stream. O Met tem 10 desses eventos programados para transmissão ao vivo em sua temporada 2014/2015, e eles atingirão mais de duas mil salas de cinema - começando por "Macbeth", de Verdi, em 11 de outubro. A Royal Opera House de Londres transmitirá 11 óperas e balés ao vivo durante os próximos meses. Em 27 de outubro, uma nova produção de "I Due Foscari", de Verdi, estrelada por Plácido Domingo, será exibida em 1,5 mil salas de cinema em 40 países.

    As transmissões ao vivo em formato stream para salas de cinema se transformaram em uma mídia nova mas tecnicamente desenvolvida que encontrou uma imensa e leal audiência mundial. As óperas em formato stream do Met são produzidas pela By Experience, a pioneira do segmento, dirigida por Robert e Julie Borchard-Young. A primeira transmissão ao vivo em formato stream produzida pela companhia aconteceu em 2003, quando David Bowie tocou seu novo álbum, "Reality", para 50 mil espectadores em salas de cinema de todo o planeta. De lá para cá a By Experience é o nome por trás do "cinema de eventos", com espetáculos como exposições de arte, shows de música pop e apresentações do Balé Bolshoi, da Rússia, e do National Theatre Live, britânico, nos Estados Unidos.

    Julie Borchard-Young diz que continua a existir imenso potencial de crescimento. "Existem muitos tipos de entretenimento adequados para as telas de cinema, e estamos apenas no início daquilo que se provará possível."

    O National Theatre e a Royal Shakespeare Company, do Reino Unido, enquanto isso, vêm sendo importantes protagonistas na transmissão de apresentações de teatro ao vivo para salas de cinema. É mais fácil para uma organização grande e que conta com subsídios do governo organizar as verbas, a dispendiosa equipe técnica e os contratos e acordos legais e de direitos autorais envolvidos do que seria para uma companhia menor ou produção independente.

    Três desses grandes "eventos" de teatro ao vivo estão programados para as próximas semanas. A Royal Shakespeare Company encenou "Dois Cavalheiros de Verona" em Stratford-on-Avon em 3 de setembro e o National Theatre Live encenará duas produções: "Medeia", estrelada por Helen McCrory, em 4 de setembro, e "Um Bonde Chamado Desejo", encenada pela companhia Young Vic –o ingresso de teatro mais procurado em Londres no momento–, com Gillian Anderson como Blanche DuBois (16 de setembro).

    O National Theatre Live também deve anunciar em breve as datas de transmissão para salas de cinema de sua primeira incursão na Broadway, uma produção de "Ratos e Homens" estrelada por Chris O'Dowd e James Franco, gravada algumas semanas atrás.

    David Sabel, o diretor de transmissões e mídia digital do National Theatre, está envolvido com os projetos do National Theatre Live desde sua estreia, com "Fedra", em junho de 2009.

    "Continuo orgulhoso de nossa 'Fedra'; foi uma produção muito bela", ele diz. "Mas ganhamos competência na apresentação de eventos - e cada programa traz um novo desafio." Na produção de "Medeia", por exemplo, haverá uma câmera montada em uma grua, "o que de certa forma se enquadra à escala épica da tragédia grega."

    Cerca de duas semanas mais tarde virá a produção de Benedict Andrews para "Um Bonde Chamado Desejo", executada em um palco redondo e sobre um pedestal giratório, o que oferece aos espectadores uma visão que em certos momentos é desconfortavelmente próxima e em outros fica obscurecida em função da distância. Sabel reconhece o desafio que isso representa, mas acredita que as audiências –a esta altura já acostumadas a assistir a espetáculos de teatro na grande tela de um cinema– aceitarão que certas porções do palco estejam inacessíveis para elas.

    Os avanços na tecnologia –especialmente na projeção digital em salas de cinema– e a distribuição via satélite tornaram possível os espetáculos com stream ao vivo. Criar uma produção de sucesso, porém, depende mais de competências tradicionais: aquelas que sempre foram necessárias para programas de TV ao vivo. Alguns dos principais praticantes dessa nova disciplina têm histórico que remonta aos anos 70 na televisão.

    John Wyver, experiente produtor de TV encarregado da série "Live in Stratford" da Royal Shakespeare Company, explica: "É um processo imensamente complicado, roteirizar e transmitir 800 a mil tomadas ao vivo, todas roteirizadas". A Royal Shakespeare Company tem seis câmeras no teatro, e uma grua. "Ela é uma maneira muito efetiva de realizar tomadas de acompanhamento que conduzem à área em que a cena está transcorrendo, e podemos nos aproximar muito do elenco em dados momentos. Estamos tentando oferecer à audiência de cinema uma experiência comparável a estar no teatro."

    "Não estamos em sentido algum fazendo um filme. Estamos traduzindo a experiência [teatral] da maneira mais vívida e envolvente que pudermos", diz Wyver.

    Ele também é professor na Universidade de Westminster, onde pesquisa a história do teatro na TV, e aponta que a BBC realizava transmissões ao vivo de teatros já a partir de 1938. Mas o compromisso da TV para com a exibição de espetáculos teatrais desapareceu nos anos 90, com o advento de múltiplos canais de programação e "a marginalização de muito daquilo que não é dirigido a maximizar audiências."

    Talvez em parte por conta dessas tendências, as transmissões ao vivo em formato stream rapidamente encontraram audiências entre as pessoas que já não extraem satisfação cultural da TV. Essas pessoas também ganham alguma coisa que não podem obter ao assistir a toda uma temporada de série sem interrupção na Netflix: uma sensação de comunidade que surge de desfrutar de uma apresentação em um espaço social. Em uma transmissão ao vivo, as pessoas aplaudem, riem e choram como a audiência que está vendo a peça ao vivo no teatro.

    Mas a questão não deixa de gerar controvérsia. Alguns meses atrás, o dramaturgo britânico Alan Ayckbourn, que dirigiu o Stephen Joseph Theatre, em Yorkshire, por quase 40 anos, expressou uma preocupação ecoada por outros luminares das artes regionais: "Um dos nossos medos é que um dia nós, e os teatros equivalentes ao nosso, deixemos de produzir peças, já que estas serão todas transmitidas ao vivo desses centros de excelência".

    A despeito desses temores, pesquisas iniciais sobre as transmissões do National Theatre Live, publicadas em junho pela NESTA –uma organização assistencial que fomenta a inovação no Reino Unido– não identificaram impacto negativo sobre a frequência dos teatros regionais. Futuros desdobramentos podem conduzir o gênero a uma nova direção. O National Theatre Live é co-produtor de um longa-metragem baseado em uma de suas peças recentes –"London Road" (2011), de Alecky Blythe–, trabalho baseado em conversas gravadas com moradores de Ipswich, Suffolk, onde cinco mulheres que trabalhavam como prostitutas foram mortas em 2006. O filme, dirigido por Rufus Norris, que em breve assumirá o comando artístico do National Theatre, deve ser lançado nos cinemas no ano que vem. O National Theatre Live será seu distribuidor no Reino Unido.

    O filme de arte médio costuma ser exibido em entre 30 e 40 salas de cinema no Reino Unido, o que estaria ao alcance do National Theatre, diz Sabel. "Acreditamos que seja possível levar [nosso trabalho] a uma audiência muito maior do que um filme de arte independente normalmente obteria".

    Já que 560 dos 700 cinemas britânicos estão hoje integrados ao circuito do National Theatre, ele parece estar sendo modesto.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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