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    Artistas criam livro com páginas que escurecem depois de lidas

    ALISON FLOOD
    DO "GUARDIAN"

    14/09/2014 03h26

    Como parte da Feira de Livros de Arte de Londres, Camille Leproust e Andres Ayerbe criaram uma obra impressa em papel térmico que escurece quando esquenta

    Não é a maneira pela qual alguém desejaria ler, usualmente: a artista Camille Leproust e seu colaborador Andres Ayerbe criaram um livro impresso em papel térmico, que esquenta e lentamente escurece quando lido, o que dá ao leitor cerca de quatro horas para concluir a leitura antes que as páginas se tornem inteiramente pretas.

    O projeto de Leproust será parte de uma exposição que fará parte da Feira de Livros de Arte de Londres, que acontece este mês. Nove artistas foram convidados a investigar "as futuras possibilidades do livro como objeto impresso" e "expandir as fronteiras de como o livro pode ser experimentado". O trabalho de Leproust, no qual o poema "Anastylosis", de Alissa Valles, escurecerá até desaparecer, estará em companhia de uma versão de "The Love Song of J. Alfred Prufrock", de T. S. Eliot, que o poeta dificilmente poderia ter imaginado.

    O artista Vincent Koloski fez da capa do livro um pequena gaveteiro, com gavetas contendo as roupas que Koloski imagina que Prufrock poderia ter usado ("envelheço, envelheço/ Usarei calças de barras arregaçadas... calças de flanela branca, e caminharei pela praia"). As roupas estão cobertas por folhas de acrílico transparente, nas quais estão gravados, em letras florescentes, os versos do poema.

    "O texto parece flutuar por sobre os objetos cotidianos da vida de Prufrock", disseram os organizadores. Koloski, que também trabalha como comerciante de livros raros, afirmou que "o armário com roupas e outros acessórios, todos um tanto usados, um tanto puídos, um tanto empoeirados, sugere ou ilustra o tom emocional do poema".

    "Sempre li o poema como a expressão de um homem que não chegou lá, que ficou para trás, que servia como melhor amigo mas não era capaz de ser protagonista", ele escreveu sobre o projeto. "Ele se acomodou a uma vida como personagem secundário, e embora pareça aceitar o fato, sente muito pesar sublimado. Na peça que criei, talvez o material de fundo sirva para ilustrar esse aspecto".

    Leproust disse que sua arte deriva de discussões sobre "o valor do livro como objeto em si, a despeito de seu conteúdo, e sobre como a atividade de ler, em si, o transforma: como as marcas e os traços de nosso envolvimento com o livro tornam o objeto produzido em massa algo de único e pessoal".

    "Dessa base conceitual, tiramos a ideia de um livro que se destrói enquanto é lido - efeito obtido por meio de uma combinação entre papel térmico e calor", ela disse. "Embora existissem diversas tintas e produtos químicos que poderiam ter sido usados para fazer o texto desaparecer, nós realmente gostamos da estética e de algumas das implicações conceituais de um livro que lentamente se queima".

    Outros projetos que serão expostos na Whitechapel Gallery na segunda metade deste mês, antes de partir para San Francisco e Nova York, incluem uma peça de leitura colaborativa de Callum Copley, que envolve um livro com páginas capazes de rotação de 180 graus, o que permite que o texto - um conto de Edgar Allan Poe - seja lido em lados opostos de uma mesa. Os leitores precisam trocar informações se desejam compreender a história completa.

    Margaret Hall criou um livro que é também um rádio, no qual as páginas são mantidas fechadas por pregos de cobre, conectados para formar um circuito transmissor pelo qual palavras fluem "em um loop eterno", disseram os organizadores, acrescentando que "o texto espera o leitor que sintonize a frequência certa".

    A exposição, "Unbinding the Book", é patrocinada pela Blurb, uma plataforma independente de editoração, e pelo estúdio de arte Jotta. Brenda Van Camp, vice-presidente de marketing da Blurb, disse que a companhia decidiu organizar a exposição porque, "a despeito do fato de que a editoração independente... permitiu aos autores tomar o controle de seus livros, não estávamos vendo qualquer desafio real ao conceito do que um livro deve ser - eles em geral continuavam a imitar os livros na forma publicada pelas grandes editoras institucionais".

    "Por isso queríamos fazer alguma coisa que criasse conversação pública sobre o que um livro deve ser. Queríamos que as pessoas questionassem algumas das concepções e dos preconceitos que se tornaram 'a norma' para os livros: eles precisam ser escritos por uma só pessoa? Por que um livro eletrônico deveria ser uma réplica, e não uma extensão, da versão em papel? Como se poderia expandir a experiência concreta da leitura? Como introduzir maneiras mais visuais de narrativa em livros para adultos?", ela disse.

    "Para tanto, decidimos convidar algumas pessoas verdadeiramente criativas a levar ao limite o conceito do que um livro deve ser. Não estávamos interessados na criação de projetos comercialmente viáveis. O que importava de fato era criar ideias capazes de desafiar nossas ideias preconcebidas do que um livro pode ser", disse Van Camp.

    Uma mistura de artistas profissionais e de jovens formandos, os demais colaboradores da exposição incluem Aymee Smith, Carlin Brown, Helen Schell, Kate Morrell e Laura Jouan. A mostra estará em cartaz entre 26 e 28 de setembro na Whitechapel Gallery, como parte da Feira de Livros de Arte de Londres.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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