• Ilustríssima

    Saturday, 18-May-2024 07:26:57 -03

    Diário de Berlim - Um partido para Brecht

    SILVIA BITTENCOURT

    28/09/2014 03h11

    O serviço secreto alemão confirmou que o ex-rapper berlinense Denis Cuspert circula atualmente entre os líderes do Estado Islâmico, a milícia radical que vem aterrorizando não só minorias religiosas na Síria e no Iraque mas o resto do mundo -vídeos comprovariam a participação de Cuspert em assassinatos de reféns estrangeiros.

    As últimas revelações sobre o paradeiro do ex-rapper só agravam um quadro cada vez mais preocupante: a crescente atuação de fundamentalistas com passaporte alemão. Berlim teme que a popularidade de Cuspert atraia ainda mais jovens muçulmanos alemães para o terrorismo. Calcula-se que vivam no país mais de 40 mil extremistas islâmicos.

    Filho de uma alemã e de um ganês, Denis Cuspert nasceu no bairro berlinense de Kreuzberg e já na juventude foi preso por vários delitos. Representante do chamado "gangsta rap", que celebra a violência e a vida em gangues, ficou famoso há pouco mais de dez anos, quando adotou o nome artístico de Deso Dogg.

    Agora, aos 38 anos, prefere ser chamado de Abu Talha al-Almani.

    Sua música mais conhecida é "Willkommen in meiner Welt" (bem-vindo ao meu mundo), de 2006, na qual ficam claras suas inclinações para a violência e cujo clipe oficial acumulou mais de 1.700.000 visualizações no You Tube. No texto, o rapper fala de sua vida sem perspectiva entre os drogados da Kottbusser Tor, uma das praças mais barras-pesadas de Berlim, e afirma: "Cago para este mundo, pois é em torno do dinheiro que ele gira".

    DURAS PALAVRAS

    O presidente da Alemanha, Joachim Gauck, continua sendo criticado pelo discurso que pronunciou no início deste mês em Gdansk, na Polônia, por ocasião dos 75 anos da Segunda Guerra. Para seus críticos, ele teria sido pouco conciliador e duro demais para quem tem apenas um cargo representativo.

    Gauck atacou a política do presidente russo, Vladimir Putin, no leste da Ucrânia. Na sua opinião, o Ocidente deveria tirar lições do passado e mostrar força perante a Rússia. "A história nos ensina que concessões territoriais só aumentam o apetite de agressores."

    Ao falar de um velho e de um novo nacionalismo, o presidente relacionou indiretamente as políticas de Hitler e Putin -o que irritou vários historiadores alemães, sensíveis a essas comparações.

    CAMARADA BRECHT

    Uma anotação no diário do autor Erwin Strittmatter (1912-94), agora publicado na Alemanha, vem causando alvoroço no meio literário. Segundo ele, em junho de 1953, o dramaturgo e poeta Bertolt Brecht (1898-1956) quis ingressar no SED, o partido comunista que governava a então Alemanha Oriental. Isto teria acontecido no dia 17 daquele mês, quando os alemães orientais se rebelaram contra a ditadura em seu país, num levante que deixou 55 mortos.

    A informação causou espanto, pois Brecht, apesar de simpatizar com o marxismo, sempre defendera a autonomia artística e a independência dos escritores em relação a partidos.

    Os brechtianos até acreditam que, no agito daquele dia, o dramaturgo tenha manifestado o desejo de ingressar no SED. Ele era um provocador e talvez quisesse, com uma ação espontânea, irritar as autoridades na Alemanha Ocidental. Estas haviam se recusado a acolhê-lo depois de seu exílio durante o nazismo. Mas o ingresso no partido não aconteceu. Procurado dias depois pelos comunistas, Brecht teria afirmado: "Agora não quero mais. Não tem mais efeito".

    JUBILEU

    Berlim começa a comemorar os 25 anos da Queda do Muro. O destaque, até agora, foi a performance dirigida pelo britânico Hamish Fulton -conhecido por sua "arte andante"-, nas calçadas da avenida 17 de Junho, no domingo passado. Num evento intitulado "Walking East - Walking West", duas longas filas, cada uma com 400 pessoas, se deslocaram lentamente, uma em direção ao leste, outra para o oeste de Berlim, simbolizando a junção da cidade.

    Muito procurados são os tours guiados que levam os turistas para os palcos dos acontecimentos da noite de 8 para 9 de novembro de 1989, quando o muro começou a ser derrubado pelos alemães.
    O mais original é o passeio oferecido a bordo do velho Trabant (apelidado de Trabi), o carro mais popular da antiga Alemanha Oriental, hoje cult no país.

    SILVIA BITTENCOURT, 49, é jornalista, autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024