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    Música erudita transcende fronteiras e chega ao underground jovem

    TESS REIDY
    DO "OBSERVER"

    12/10/2014 03h08

    Jonny Greenwood, do Radiohead, colabora com plataforma online para levar sons orquestrais a um público novo

    Os jovens fãs musicais mais acostumados a ouvir pop estão, em vez disso, ouvindo Henry Purcell, enquanto a música erudita começa a abrir caminho na cultura jovem britânica.

    Uma das principais plataformas musicais underground do Reino Unido, Boiler Room, está lançando uma série de shows de música clássica, começando esta semana em Manchester com uma colaboração com a London Contemporary Orchestra (LCO). E na semana passada a BBC anunciou uma iniciativa voltada a escolas primárias britânicas que visa colocar uma geração de crianças em contato com a música erudita.

    O Boiler Room nasceu em 2010 na decrépita sala de máquinas de um galpão infestado de pombas na zona leste de Londres, quando DJs e bandas underground foram convidados a apresentar-se ao vivo para uma plateia pequena e para uma plateia online através de uma webcam presa à parede. Ninguém na época imaginou que algum dia o canal de música chamaria uma orquestra inteira e Jonny Greenwood, o guitarrista do Radiohead, para apresentar uma série de eventos de música erudita em salas de concerto em todo o país.

    "Muitos jovens sempre viram a música erudita como algo inacessível, ligado à classe alta. É como o fato de que todo o mundo vai ao cinema, mas poucas pessoas vão ao teatro", disse o DJ e formador de gostos Benji B (nome real: Benjamin Benstead), da Rádio 1 e 1Xtra, que está apresentando seus ouvintes a nomes como Claude Debussy, John Cage e Steve Reich. "A música erudita é vista como impenetrável e cercada de esnobismo, mas isso está mudando, finalmente, e ela está começando a ser incrivelmente apreciada."

    A série de concertos de música erudita do Boiler Room vai incluir apresentações de trabalhos de Iannis Xenakis, Purcell e Olivier Messiaen. Em 2011, Benstead convidou o quarteto de cordas Deviation a fazer uma performance improvisada com ele numa das cabines da roda-gigante London Eye, como parte do evento Revolutions in Sound, da Red Bull. Desde então ele vem trabalhando com a orquestra de cordas para criar arranjos clássicos de canções modernas.

    Blaise Bellville, fundador e executivo-chefe do Boiler Room, diz que a reação tem sido tremendamente positiva entre o público de menos de 25 anos, com jovens mostrando abertura crescente para a música erudita. "As plateias jovens estão mais abertas que nunca a ideias e gêneros novos. Por exemplo, os jovens reagiram superbem à decisão de Henrik Schwartz de estrear seu novo projeto de jazz e música erudita contemporânea conosco numa sala de concertos no Amsterdam Dance Event este mês, em vez de querer que ele simplesmente fizesse mais um show tecno."

    Para Bellville, esse entusiasmo se explica porque uma das características dos fãs musicais é o instinto de procurar e querer conhecer sons diferentes. "Quando alguém da estatura de Jonny Greenwood conduz você para a música de câmara ou o Boiler Room o aproxima das formas eruditas abstratas, estamos fazendo nosso trabalho direito", ele disse.

    Gabriel Szatan, curador do Boiler Room, concordou e disse que algumas figuras destacadas da música eletrônica, como Four Tet, James Holden, Nils Frahm e Kompakt Records, também ajudaram a deitar as bases da mudança. "Ultimamente temos visto astros como Jon Hopkins e James Blake que vieram de uma formação erudita, e um dos discos mais tocados nos shows de DJs do Boiler Room é uma remixagem do compositor erudito minimalista Steve Reich. Esta geração é incrivelmente interessada, de cabeça aberta. Não surpreende que ela esteja interessada nisto tudo."

    De acordo com Robert Ames, diretor artístico da LCO, existe um interesse grande em eventos musicais colaborativos e há muito trabalho envolvido em tornar as apresentações especiais. "As pessoas estão à procura de experiências novas, e a música de qualidade lhes permite acessar algo diferente. O crescimento de nosso público jovem tem sido estimulado pela compreensão das pessoas de que existe um mundo sonoro aí fora que é incrivelmente dinâmico e instigante. Estamos oferecendo algo que elas não ouviriam através dos canais musicais padronizados."

    Ames também acha que as colaborações com artistas, músicos e marcas conhecidos, como Conrad Shawcross, William Basinski, Ron Arad, Foals, Vivienne Westwood e Nike, ajudam a levar a LCO para um público novo e mais jovem.

    Para Derrick May, pioneiro do tecno em Detroit que recentemente se apresentou com a Orquestra Filarmônica Macedônia, a combinação de música erudita e eletrônica demorou a acontecer. "Isso sempre foi um sonho meu, mas só começou a tomar forma alguns anos atrás", ele disse. "É incrível ouvir minha música quando eu acompanho a orquestra, tocando teclado improvisado. Estou lá, no meio da orquestra, e mal consigo acreditar que esteja acontecendo de verdade. É surreal, mas ao mesmo tempo muito cool."

    Mas May, que é fã de Rachmaninov e Beethoven, admite que a experiência pode ser um pouco assustadora. "Estou tocando com profissionais, então preciso tocar realmente bem. Sinto os olhos deles sobre mim e acho que devem estar se perguntando o que diabos eu estou fazendo entre eles. A pressão é grande, e eu curto essa sensação."

    Com colaborações como essas atraindo uma nova geração de fãs da música erudita e ganhando milhões de acessos online, muitos acham que a tendência chegou para ficar. "Estamos com alguns projetos ambiciosos em vista e queremos explorar o mundo erudito em profundidade ainda maior", disse Bellville. "Enquanto esse interesse existir, vamos estar presentes."

    Jonny Greenwood e a London Contemporary Orchestra se apresentam no Albert Hall em Manchester em 10 de outubro.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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