• Ilustríssima

    Monday, 29-Apr-2024 06:47:31 -03

    Análise é visionária em vários aspectos

    RAQUEL COZER

    26/10/2014 03h24

    A julgar pelas questões levantadas por Paulo Rónai sobre o fenômeno dos best-sellers nos anos 1940, há menos novidades no front dos sucessos editoriais nas últimas sete décadas do que gostariam de acreditar os analistas do mercado.

    Daquela época já vem, por exemplo, a inquietação com certo barateamento dos livros decorrente das tiragens em massa, que constituiria não só "puro benefício" mas também "golpe sério" a escritores que vendem menos. A questão ainda hoje divide opiniões, e não há debate mais atual em tempos de autores versus Amazon com seus megadescontos.

    Rónai aponta ainda para a expansão de ferramentas úteis ao marketing editorial, como os clubes do livro, que fazem o leitor "abdicar de sua capacidade de seleção" ao "dar ao público o que ele deseja" -tema que dialoga com clubes badalados como o da apresentadora Oprah Winfrey, capaz de criar sozinho um fenômeno de leitura, e com blogs literários que fecham parcerias com editoras.

    Até o hoje tão repisado argumento de que já não se fazem destaques literários como antes é antecipado por Rónai, que não achava que o aumento no número de leitores elevasse o nível cultural.

    Ao defender sua tese de que os best-sellers do século 18 tinham qualidade superior à dos publicados em seu tempo, o ensaísta deu um prazo generoso de 180 anos para que os livros mais vendidos no biênio 1944/1945 fossem esquecidos. Passados 70, seu prognóstico só não se confirmou porque "O Fio da Navalha", de Somerset Maugham, adaptado duas vezes ao cinema, tornou-se um clássico.

    Das ideias do ensaísta que ficaram defasadas, há a sugestão de que futuramente bastaria ao romancista escrever um único best-seller e passar "o resto da existência a gozar a opulência merecida".

    Vã esperança. Hoje não só os autores best-seller não se contentam com um único livro como transformaram cada um deles em histórias que não acabam nunca, divididas em vários volumes -fenômeno ampliado no início dos anos 2000, após o sucesso dos primeiros "Harry Potter", série que também marcou uma tendência de expansão da literatura juvenil.

    Talvez sejam esses, as séries e os juvenis, os dados que mais diferenciam as atuais listas de best-sellers daquela analisada por Rónai. Na de 2013, computada pela Nielsen Bookscan, seis dos dez livros mais vendidos nos EUA integram séries de títulos e/ou personagens (como o infantojuvenil "Diário de um Banana", de Jeff Kinney, e "Inferno", em que Dan Brown traz de volta o personagem Robert Langdon).

    Longe de ser ele próprio um best-seller, Paulo Rónai vem recuperando um espaço que por anos lhe faltou nas livrarias.

    Desde 2010, quando seu espólio foi assumido pela agente Lucia Riff, voltaram ao mercado obras de sua lavra como "Mar de Histórias" (Nova Fronteira), antologia de contos que coordenou com Aurélio Buarque de Holanda (1910-89), e o recém-lançado "Encontros com o Brasil" (Edições de Janeiro), de ensaios sobre autores brasileiros.

    O retorno teve direito a um pequeno êxito editorial: as 3.000 cópias de "Como Aprendi o Português e Outras Histórias", lançado em 2013 pela Casa da Palavra, se esgotaram. A reedição ficou a cargo das Edições de Janeiro, junto com "Encontros com o Brasil".

    RAQUEL COZER, 36, é colunista do Painel das Letras da Folha.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024