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    Testamentos de 278 mil soldados são reunidos em arquivo

    TRACY McVEIGH
    DO "OBSERVER"

    31/10/2014 13h51

    Último desejo de soldados em Ypres: deixar tudo para a mãe

    Um jogo da velha e um testamento deixando uma coleção de livros de sir Walter Scott para seu melhor amigo e o resto de seus bens à sua mãe foi tudo o que foi encontrado de Philip Woollatt.

    A carteira do soldado da Primeira Guerra Mundial, contendo o testamento informal que todos os soldados levavam no bolso, foi encontrada marcada por uma bala após uma batalha em julho de 1916, na qual o soldado de 21 anos teria morrido.

    O testamento de Woolatt é um de dez que estão sendo divulgados pelo Serviço de Tribunais de Sua Majestade (HMCTS) para coincidir com o centenário da primeira batalha de Ypres. Esta semana serão promovidas cerimônias na Bélgica para lembrar o centenário da batalha e a inundação da planície do rio Yser em Nieuwpoort, acontecimentos chaves que bloquearam o avanço das forças alemãs e assinalaram o início de quase quatro anos de guerra exaustiva em trincheiras.

    Manchados de barro, empoeirados e em processo de desintegração, os testamentos de 278 mil soldados que morreram nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial corriam o perigo de apodrecer em arquivos do governo espalhados pelo Reino Unido. Agora os originais foram reunidos e estão sendo preservados numa instalação de última geração.

    Cópias dos testamentos foram digitalizadas e disponibilizadas online para o público, como parte de um programa de modernização para marcar o centenário do início da guerra. Os testamentos, que os soldados levavam com eles sempre, eram cruciais para assegurar que o patrimônio de cada soldado fosse administrado de acordo com sua última vontade.

    Num projeto conjunto envolvendo o HMCTS e a Iron Mountain, empresa contratada para cuidar dos documentos, os testamentos de dez soldados que têm lápides colocadas lado a lado na extensão do cemitério da cidade de Ypres foram abertos e examinados, e foi encontrado um ponto interessante em comum entre eles. Os soldados eram de regimentos e regiões diferentes do Reino Unido e morreram em momentos e locais distintos, mas quase todos deixaram seus bens para suas mães.

    Um deles foi William Cowell, que morreu em 5 de maio de 1918, oito meses depois de chegar ao front. Seu testamento manuscrito às pressas lega todos seus bens e pertences à sua mãe. O paramédico do front Joseph Wallis Shaw, 22 anos, Cecil Christopher Iley, 28, do Corpo de Ciclistas do Exército, Sidney Lowe, idade desconhecida, e Joseph Houghton, 28, fizeram o mesmo. O testamento de Horace Henry Cook, morto em agosto de 1914, previu que seus bens fossem entregues à sua namorada.

    O soldado raso Jacob Conroy, 28 anos, foi morto em 25 de setembro de 1915 e seu testamento nunca foi encontrado. Foram registrados depoimentos dados por sua irmã e seu irmão ao Departamento de Guerra, explicando que, quando Conroy voltou para casa de licença devido à morte de um familiar, disse que pretendia deixar tudo para sua irmã, Elizabeth.

    Devido à sua localização estratégica na rota para a costa, Ypres foi palco de cinco grandes batalhas na Primeira Guerra Mundial. Há tantas munições ainda espalhadas pela região que o esquadrão de desativação de bombas do Exército belga é chamado cerca de 3.000 vezes por ano para desativar, desenterrar ou simplesmente recolher obuses ainda funcionais, granadas e outros explosivos.

    O ministro britânico dos Tribunais, Shailesh Vara, descreveu o arquivo como um "tesouro" de documentos. "No ano do centenário da Primeira Guerra Mundial, é importante recordar aqueles que deram suas vidas", ele comentou. "O arquivo será uma ferramenta de valor inestimável para historiadores, genealogistas e qualquer pessoa que queira acrescentar detalhes à sua árvore genealógica."

    Os testamentos dos soldados formam parte de um arquivo enorme de 41 milhões de testamentos preservados pela Iron Mountain para o HMCTS. Qader Ahmed, gerente do centro de dados do depósito construído pela Iron Mountain em Birmingham especialmente para essa finalidade, disse que o serviço já digitalizou testamentos de soldados até da guerra da Crimeia e, mais recentemente, do conflito das Malvinas. "Os fatores cruciais para a preservação desses documentos são a temperatura e umidade. Nossas técnicas são muito sofisticados. Até filtramos o ar que entra no local."

    Ele disse que, embora muitos dos documentos tenham chegado em mau estado, hoje eles compõem 8.000 metros cúbicos de história cientificamente protegida.

    Cópias escaneadas de testamentos guardados no arquivo podem ser pedidas por £10 no site www.gov.uk/wills-probate-inheritance/searching-for-probate-records

    Tradução de CLARA ALLAIN

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