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    O efeito "50 Tons": mulheres dominam o setor da autopublicação

    MAGGIE BROWN
    DO "OBSERVER"

    16/11/2014 03h22

    O sucesso da trilogia erótica de E.L. James levou mais mulheres de meia-idade a produzir livros eletrônicos

    O sucesso de E.L. James e sua trilogia "Cinquenta Tons de Cinza" ajudou em muito a derrubar o estereótipo do autor autopublicado. Hoje, pesquisas acadêmicas contestam ainda mais a imagem de escrevinhadores excêntricos que rabiscam textos por hobby, revelando que o mercado crescente da publicação eletrônica é dominado por mulheres de meia idade e alto nível de instrução.

    Alison Baverstock, professora associada de publicação na Universidade Kingston, em Surrey, disse que suas pesquisas revelam uma divisão nítida por gêneros: 65% dos autores autopublicados são mulheres, 35% são homens. Quase dois terços têm entre 41 e 60 anos, e outros 27% têm mais de 61. Metade das pessoas que autopublicam seus textos trabalha em outro emprego em tempo integral, 32% têm diploma universitário e 44% têm pós-graduação ou outros títulos.

    Baverstock disse que existe uma ideia generalizada, mas equivocada, sobre as pessoas que decidem publicar seus próprios textos e sobre como esse gênero está revolucionando o setor de livros.

    E.L. James tornou-se provavelmente a mais rica das autoras autopublicadas, graças à sua obra de "mummy porn" (pornô feito para mamães), mas, ao mesmo tempo em que sua prosa e suas tramas conquistaram o grande público, atraíram desprezo. De acordo com Baverstock, existe a visão de que os autores que publicam seus próprios textos o fazem como último recurso, porque não conseguiriam ser publicados por editoras comerciais, e que possivelmente não têm muita instrução formal.

    Mas E.L. James teria sido um exemplo de como esses autores "realmente conhecem seu público. Ela é sofisticada e acreditou em seu próprio valor. Os livros que as pessoas realmente querem compartilhar com outras são de ficção."

    Apresentando seu trabalho ao Fórum de Mídia de Westminster, que discutiu as perspectivas dos livros, das bibliotecas e do setor editorial, Baverstock disse que existem gêneros populares que as editoras tradicionais ignoraram, incluindo o "soft porn respeitável" e "livros de memórias em tom suave sobre tragédias cotidianas, como a perda de um filho". Para ela, a maioria das editoras está perdendo espaço no mercado devido ao misto poderoso de democratização e distribuição digital, porque os editores "vêm de um pool genético muito limitado. Todos gostam da mesma coisa. Eles se conhecem e não necessariamente estão em contato com o gosto popular. A autopublicação está acontecendo nas escolas e em instituições, disseminando o conhecimento de como publicar."

    Gordon Wise, agente literário sênior da agência Curtis Brown, respaldou o argumento da pesquisadora, acrescentando: "É possível que os autores queiram continuar a publicar-se. Existem muitos caminhos para se chegar ao mercado."

    Para Baverstock, a mudança acelerada em curso significa também que "a o posição do agente literário pode correr perigo. Se tudo o que o agente faz é ficar com uma porcentagem do que o autor recebe, esse tipo de relacionamento está fadado a acabar. Muitas pessoas que estão autopublicando colaboram umas com as outras, compartilhando informações."

    Nicola Solomon, executiva-chefe da Society of Authors (sindicato de escritores), considera que a autopublicação alcançou a maioridade, está gerando retornos decentes para alguns autores e não é apenas para pessoas que querem ver seus escritos publicados a qualquer custo.

    Um quarto das pessoas que publica seus próprios textos já se consideram escritoras. "As editoras comerciais estão estreitando seu foco, concentrando-se em opções mais seguras, nomes mais conhecidos. Muitos autores que recebem um retorno regular, mas têm vendas de nível médio, são pequenos demais para atrair o interesse das editoras", disse Solomon.

    Baverstock disse que, longe de ser movidas pelo desespero, as pessoas que autopublicam manifestam um nível muito alto de satisfação. E a autopublicação não é necessariamente sinônimo de trabalhar sozinho. Depois de descobrir em uma pesquisa feita em 2012 que 59% dos autores que autopublicam tinham recorrido a um editor de texto independente, com isso eliminando uma das últimas distinções entre livros publicados do modo tradicional e livros autopublicados, Baverstock está rastreando o uso crescente por autores que autopublicam de editores e profissionais de marketing e assessoria jurídica independentes.

    A demanda crescente por editores freelancers significa que o nível de qualidade está subindo. Segundo Baverstock, os autores que publicam seus próprios materiais precisam responsabilizar-se pessoalmente pelo controle e a produção, e isso amplia o conhecimento de como funciona o setor editorial. "Esperemos que essa abertura leve à diversificação da participação e do envolvimento. O autor que tem experiência de publicar-se ganha poder."

    Jeremy Thompson, diretor gerente da Troubador Publishing, uma editora tradicional que lançou o serviço de autopublicação Matador, disse que a demanda vem crescendo tanto nos últimos anos que mais editoras comerciais estão criando seções de autopublicação.

    As oportunidades de compra e venda estão se diversificando, com sites digitais como o Smashwords possibilitando a autores publicar seus textos próprios online de modo gratuito. Mas o Westminster Media Forum ouviu que as pessoas tendem a desconfiar de livros disponíveis gratuitamente e que o preço ideal para um livro eletrônico é de cerca de £3,99.

    Michael Tamblyn, presidente e executivo-chefe de conteúdo da plataforma de livros eletrônicos Kobo, do Canadá, disse que um desafio adicional para os autores e as editoras é que os livros eletrônicos, que registram pessoas que passam para a página seguinte, estão gerando um volume monumental de dados sobre como as pessoas leem.

    "Até agora o modo como as pessoas se envolvem com livros era uma terra desconhecida. Quantos livros são abertos, quantos são lidos até o fim. Com os livros eletrônicos, descobrimos os livros que não venderam bem, mas que as pessoas gostaram o suficiente para ler até o final. Também descobrimos em que ponto o leitor perdeu o fio da meada. Esse conhecimento é útil para qualquer autor. Ele insere o leitor no quadro."

    E alguns comportamentos não mudaram. Tamblyn explicou: "Estamos vendo um número surpreendente de livros, títulos premiados, comprados com a melhor das intenções mas que ainda estão parados na prateleira digital, sem ser lidos".

    RAINHAS DOS LIVROS AUTOPUBLICADOS

    E.L. James, "50 Tons de Cinza"
    Protagonizada pelo bilionário Christian Grey e a jovem Anastasia Steele, a trilogia de E.L. James representou um avanço enorme no gênero do "mummy porn respeitável", ou romance erótico. A autora britânica publicou seu trabalho originalmente como e-book, lançando-o no papel em 2011, a pedidos. A trilogia já vendeu mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo. O filme, estrelado por Jamie Dornan, vai estrear em 14 de fevereiro de 2015.

    Lisa Genova, "Para Sempre Alice"

    A neurocientista e autora americana estreou como romancista publicando "Para sempre Alice", em 2007. O livro conta a história dolorosa de uma professora de Harvard de 50 anos, Alice Howland, esposa e mãe de três filhos, que recebe o diagnóstico de mal de Alzheimer precoce. O livro ganhou popularidade, foi adquirido pela Simon & Schuster, vendido para 30 países, traduzido para 20 idiomas e adaptado para o teatro e o cinema.

    Barbara Freethy, "Kiss Me Forever"
    Freethy começou a autopublicar os livros de seu catálogo que estavam esgotados, porque achou que havia demanda por ficção romântica e histórias emocionalmente convincentes sobre o amor. Ela vendeu 4,8 milhões de livros eletrônicos em três anos, incluindo sua trilogia mais recente -"Kiss Me Forever", "Steal my Heart" e "All Your Loving" –, cujas protagonistas são sete amigas que começam como damas de honra e acabam como noivas.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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