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    Arquivo Aberto - Mistérios paulistanos

    LUISA MALZONI STRINA

    14/12/2014 03h00

    São Paulo, 1996

    Morei durante 13 anos no edifício Lausanne, na avenida Higienópolis, obra premiada de Franz Heep, arquiteto alemão que também projetou o edifício Itália e que aqui viveu nos anos 50 e 60.

    É um prédio lindo com detalhamento precioso em toda sua execução. Possui um painel de Clóvis Graciano no hall, e a fachada tem um caráter especial pelo uso da cor nos "brises" (seria influência da bandeira da Itália?).

    O espaço era ideal para mim, após pequena reforma, na qual procurei manter o máximo possível o projeto original. Mexi apenas na cozinha e nos banheiros, mas um detalhe me passou despercebido na época e me aborreceu por todo o tempo em que lá morei.

    Acervo pessoal
    Painel do artista John Graz encontrado no apartamento em que Luisa Strina viveu por 13 anos, em foto de 1996, quando soube de sua existência
    Painel do artista John Graz encontrado no apartamento em que Luisa Strina viveu por 13 anos, em foto de 1996, quando soube de sua existência

    Na sala havia uma parede divisória de madeira com uma emenda no meio. Durante o verão, o calor estufava a emenda e ela abria como uma ferida.

    Arquitetos amigos que me visitavam sugeriam vários remendos que nunca funcionaram: bandagens de gaze, várias camadas de pintura etc.

    Nessa mesma época, comecei a comprar móveis de design brasileiro dos anos 1950. Já era feliz proprietária de uma cadeira/trono de Lina Bo Bardi, mas queria muito mais. Eu sabia que John Graz teria circulado muito pelo prédio, e era amigo de vários condôminos. Teria deixado algum rastro?

    Fui então à caça de obras ou móveis dele que poderiam estar no prédio. Nada consegui. Ou não estavam à venda, ou a procedência era discutível.

    Comprei vários Tenreiros, Zaninis e Sergio Rodrigues em feirinhas e de particulares, mas nunca um Graz.

    O tempo passou, os móveis já não cabiam no apartamento e então resolvi trocá-lo por um maior. Ao entregar a chave, disse à nova proprietária: "Sou muito distraída, perco tudo, se você encontrar algum ouro esquecido nas gavetas me avise, por favor".

    Alguns dias depois ela me telefonou dizendo: "Venha ver o ouro que você esqueceu!".

    Quando abri a porta, olhei estarrecida na direção onde ficava a parede de madeira que tanto me incomodava. Ali estava, deslumbrante, um enorme afresco de uma floresta, que ocupava toda a sua extensão; embaixo, do lado direito, uma assinatura. Abaixei-me e li: John Graz.

    O único Graz que me pertenceu esteve comigo, escondido atrás da parede de madeira, por 13 anos, e eu o vi somente por meia hora.

    P.S.: Ouvi dizer que, no prédio, existe outro painel escondido.

    LUISA MALZONI STRINA, 71, é galerista em São Paulo há 40 anos. Até 14/2, a galeria Luisa Strina expõe "Eu Represento os Artistas, Revisited", que reconta sua história.

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