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    Arquivo Aberto - Andanças com Vandré

    DI MELO

    01/02/2015 03h34

    Foz do Iguaçu, 1982

    Lancei meu primeiro disco em 1975, pela EMI Odeon, gravadora à qual fui apresentado por Alaíde Costa, companheira de palco no Jogral. E foi no Jogral, boate do centro de São Paulo, que conheci Geraldo Vandré.

    Meu disco, chamado simplesmente "Di Melo", fez um sucesso repentino: "Se o Mundo Acabasse em Mel", "A Vida em seus Métodos Diz Calma" e "Kilariô" estouraram, e tinha rádio que tocava o LP inteiro. Outros cantores gravavam músicas minhas e vendiam milhares de cópias, parecia que tudo corria às mil maravilhas. Fui receber o pagamento pelos direitos autorais: 11 cruzeiros. Larguei o disco de lado e comecei a minha andança com Vandré.

    Ficamos seis meses na Paraíba, terra dele. Paramos na praia do Seixas, depois seguimos para a praia de Tambaú -sempre em casinhas alugadas; nossa turma não era grande. Chegamos a gravar um disco com nossas parcerias em Forte de Cabedelo, em um caminhão-estúdio. A certa altura, já depois de alguns desentendimentos, ele entrou numa de tocar serrote. Eu parei a gravação e pedi para que ele parasse de "tocar". E ele tentando tirar um som do serrote, mas não estava dando certo. "Pare com esse serrote!", pedi mais uma vez, e nada. Na terceira vez, eu me mandei. Ele foi ao aeroporto, tentou me impedir de voltar, mas já era tarde.

    Jô Abade/Acervo Pessoal
    Geraldo Vandré (esq.) em visita a Di Melo, na casa deste, em abril do ano passado, em São Paulo
    Geraldo Vandré (esq.) em visita a Di Melo, na casa deste, em abril do ano passado, em São Paulo

    Quando nos reencontramos em São Paulo, a primeira coisa que eu ouvi foi: "Você nem me deixou dizer que eu gostei muito das gravações". Xinguei-o com gosto. É uma pena: o disco e o material fotográfico perderam-se por aí. Mas em breve vou regravar essas obras.

    Depois andamos muito por Porto Alegre, terra da mulher dele. Não saíamos de Foz do Iguaçu, íamos muito ao Paraguai, de um lado para o outro. São Paulo, Paraíba, sem parar. Dez anos de andança. Nessa época, fizemos 12 canções juntos. Não eram músicas de protesto, era poesia pura.

    Geraldo Vandré é uma das pessoas mais incríveis desse planeta, é um banco de cultura. Tocando, narrando ou escrevendo, é um crânio, é um dicionário. Aliás, teriam que montar um dicionário das peculiaridades de Vandré.

    Uma vez, em Foz do Iguaçu, organizamos um show nosso. Foi um bochicho, muita expectativa em torno do retorno de Vandré e de seus novos parceiros de estrada. Um repórter da rádio Bandeirantes foi entrevistá-lo. Vandré bateu o pé: "Só vou fazer a reportagem em águas paraguaias, após o espetáculo". O jornalista tinha vindo de Cascavel só para a entrevista, ficou possesso. No dia seguinte, saiu a manchete vingativa: "Inimigo Número 1 do Estado brasileiro, após 14 anos de isolamento, apresenta-se em águas paraguaias, em Itaipu Binacional Área II". A Polícia Federal baixou, e até provar que focinho de porco não era tomada, o show foi cancelado. Isso foi no começo da década de 1980.

    Insistimos no sul do país mais um pouco e, enfim, conseguimos realizar esse show. "Das Terras de Benvirá", no lado de lá da fronteira, em Ciudad del Este (então Puerto Stroessner), no Cine Ópera. Na estreia, Vandré mandou apagar os holofotes da Bandeirantes, porque estariam "atrapalhando a gravação". Ficamos no escuro, ninguém viu mais ninguém.

    Estivemos brigados por um tempo, mas nos trombamos por acaso e fizemos as pazes. Ele me liga às três da manhã, eu também telefono, de vez em quando ele passa lá em casa, damos muita risada. Vandré é um gênio, foge totalmente ao lugar-comum. Geraldinho é um irmão meu.

    DI MELO, 64, cantor e compositor pernambucano, faz show no Sesc São José dos Campos no dia 7/2.

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