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    Ponto Crítico - Exposição - Brasiliana clara e "clean"

    MARCELO COELHO

    01/03/2015 03h05

    O prédio do Itaú Cultural (av. Paulista, 149) é meio estreitinho, e isso costuma trazer dificuldades para as exposições que se fazem por lá. As obras de arte têm de se encarapitar em vários andares, e isso pode destruir o senso de "narrativa" (preparação, acúmulo, clímax, epílogo) que geralmente se constrói quando o espaço da mostra é horizontal.

    Daniela Thomas e Felipe Tassara, responsáveis pelo projeto expositivo da coleção Brasiliana do Itaú, resolveram com brilho esse problema. Uniram os dois andares do Espaço Olavo Setúbal num altíssimo paredão, que serve de fundo para uma bonita escadaria em curva.

    Edouard Fraipont/Divulgação
    Imagem da obra 'Ornitologia Brasileira', de J. T. Descourtilz
    Imagem da obra 'Ornitologia Brasileira', de J. T. Descourtilz

    Desse modo, quem sai do elevador e entra no quarto andar do Itaú Cultural se depara com uma surpresa luminosa. De todos os lados, numa ascensão colorida e delicada, expõe-se uma enorme coleção de gravuras retratando a fauna e a flora brasileiras.

    Como vários outros itens da coleção (as imagens de Debret sobre o cotidiano colonial, os índios de Spix e Martius), muita coisa aqui já foi vista em outro lugar -até mesmo nos livros escolares de história do Brasil.

    Pouco importa: o efeito que se alcança, logo na entrada, é como de um gás euforizante. O que poderia ser, admitamos, uma grande chatice (páginas e mais páginas com gravuras de macacos, orquídeas e periquitos) abriu-se para o alto e para os lados.

    O visitante se sente desincumbido daquele típico dever de quem entra numa exposição -o de examinar, uma por uma, as obras do início. Sabemos como funciona: no final, todos passam correndo pelas salas, ansiosos pelo café ou pela lojinha.

    Outra boa ideia dos expositores foi a de evitar um conhecido (e eficiente) clichê desse tipo de mostra histórica. Resistiu-se à tentação da grande sala escura, em que uma ou duas peças valiosas (cocar de araras, Cristo de Aleijadinho) surgem ressaltadas pela iluminação de impacto.

    Tudo é branco, claro, arejado. Esta Brasiliana não é barroca, mas "clean". Aspira à visibilidade, à transparência. Daí que seus pontos mais fortes sejam os amplíssimos panoramas (Rio de Janeiro, São Luís, São Paulo) feitos por viajantes no século 19.

    A não ser que você seja um especialista em história urbana, é inútil, naturalmente, procurar algo de reconhecível (exceto o Pão de Açúcar) nessas imagens. O que fica é o seu encanto visual. O uso da aquarela nas obras de menor dimensão, e o aspecto em geral luminoso e clarinho das tintas reitera a paleta geral da mostra permanente, entre o branco, o celeste e o dourado.

    Embora não faltem, nos textos de parede, reverências à figura de Olavo Setúbal, o toque autoral desta Brasiliana provém por certo do especialista Pedro Corrêa do Lago. É ele quem assina o espetacular volume de 708 páginas, publicado pela editora Capivara em 2009, com explicações detalhadas sobre os itens da coleção.

    Seu entusiasmo de colecionador se transmite quando lemos que um panorama da cidade de São Paulo, feito por Armand Pallière em 1821, ficou desaparecido por 110 anos; que um esboço a óleo de Debret, retratando o segundo casamento de d. Pedro 1º, só reapareceu para o público em 2007; que aquarelas secretamente feitas pelo francês Sydenham em 1795 (época em que era proibida a entrada de estrangeiros no Brasil) foram descobertas há pouquíssimo tempo.

    A Brasiliana do Itaú compõe-se, na verdade, de várias coleções. Habilmente dividida em módulos ("O Brasil da Escravidão", "O Brasil dos Naturalistas", o "Brasil Holandês" etc.), a mostra tem de dar conta de objetos bastante diversos.

    Há, como vimos, a parte iconográfica. Há uma seção de moedas, também curiosa, mas um pouco menos. Outra seção é a de livros raros e de autógrafos (outra especialidade de Corrêa do Lago) em que entram primeiras edições de Oswald de Andrade ou João Cabral. Outra é a de documentos (contratos de escravos, ou papéis com assinaturas de presidentes da República).

    Mas esse é o momento em que o visitante, a despeito da bela organização expositiva, começa a apressar o passo. Valeria a pena fazer o rodízio de um ou dois destaques mensais, juntando mais algumas das vibrantes explicações do livro de Corrêa do Lago, que merecem máxima divulgação entre os que visitam o local.

    MARCELO COELHO, 56, é colunista da Folha e autor de, entre outros, "Cine Bijou" (Cosac Naify).

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