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    Diário de Paris - Os dilemas do pitbull da imprensa francesa

    LUCAS NEVES

    01/03/2015 03h27

    "C'est reparti!" [recomeçou]. A manchete do primeiro número do jornal "Charlie Hebdo" pós-"edição dos sobreviventes" é mais assertiva do que qualquer prognóstico sobre o futuro da publicação.

    O semanário retomou sua periodicidade na última quarta (25) projetando-se, no cartum da capa, como "cachorro irresponsável" atrás do qual correm figuras como o papa, o ex-presidente Nicolas Sarkozy, a líder da extrema-direita Marine Le Pen e um jihadista -todos igualmente cães, mas "submissos", na explicação do desenhista Luz.

    Na fase de convalescença, no entanto, o pitbull do laicismo talvez não possa ser tão inconsequente quanto gostaria. A comoção causada pelo assassinato de 12 pessoas no ataque à Redação se reverteu num aporte de mais de 12 milhões de euros (R$ 39 mi) à conta bancária da empresa.

    Uma cifra exorbitante, ainda mais tendo em vista que, antes do episódio fatídico, o jornal tinha apenas 8.000 assinantes e vendia 24 mil exemplares. "Fazíamos um fanzine, um gibi do Mickey... Como desenhar neste 'Charlie' idealizado que nos submerge?", indagou Luz, enquanto preparava a "edição dos sobreviventes".

    O "Le Monde" listou outros dilemas: como repor o banco de cartunistas da Redação, quando boa parte dos sondados pergunta se poderá trabalhar em casa? Que modelo gerencial adotar, visto que os jornalistas articulam a criação de cooperativa com participação acionária no "Charlie"? Voltarão as acusações de islamofobia? O "cachorro irresponsável" tem uma baita coleira estorvando-lhe a corrida.

    CINÉMA VÉRITÉ

    Dois temas que voltaram à ordem do dia após os ataques de janeiro, a liberdade de expressão e o fosso entre a França berço do humanismo e o país de oportunidades variáveis segundo a etnia do cidadão, reverberam no cinema.

    Ao primeiro se dedicam os documentários "Caricaturistes, Fantassins de la Démocratie" (caricaturistas, soldados da democracia), em que desenhistas de 12 países narram maus bocados com a censura; e "C'est Dur d'Être Aimé par des Cons" (é duro ser amado por idiotas), que acompanha o processo de que o "Charlie" foi alvo por publicar caricaturas do profeta Maomé. Ambos retornaram às salas depois dos atentados.

    Já a ficção "Qu'Allah Bénisse la France" (que Alá abençoe a França) mostra a ascensão, pela via do rap, de um jovem negro sobre quem pesam estigmas (filho de imigrantes morador da periferia, muçulmano) mais propícios a levá-lo à delegacia do que às paradas de sucesso.

    A crítica, no entanto, desaprovou o tratamento heroico e o discurso apaziguador, na linha "se você se esforçar de verdade, vai achar seu espaço neste país".

    DESAFINAÇÃO

    O arquiteto-superstar Jean Nouvel está processando os administradores da recém-inaugurada Filarmônica de Paris, megacomplexo de salas de concerto, ensaio, espaços expositivos e gastronômicos erguido no parque La Villette, na região nordeste, a um custo de 350 milhões de euros (R$ 1,1 bilhão) -três vezes o previsto inicialmente.

    Ele diz que, na ânsia de encerrar as obras, os clientes ignoraram 26 pontos de seu desenho original, como detalhes da fachada e dos foyers. Enquanto isso não for corrigido, Nouvel renegará a cria.

    A contenda por ora desvia o foco da interessante programação de abertura da Filarmônica, que intercala o cânone erudito a espetáculos de vocação mais popular, concebidos, por exemplo, a partir do cancioneiro de David Bowie ou das composições do violonista Paco de Lucía (1947-2014).

    CRIME DE LUXÚRIA

    Mais de um ano depois de ser aprovado pelos deputados franceses, o controverso projeto de lei que prevê a penalização dos clientes de prostitutas(os) deve ser votado no Senado no fim deste mês. Se instituída, a multa será de 1.500 euros (R$ 4.900).

    Os defensores da iniciativa dizem que a repressão enfraqueceria as redes de tráfico de pessoas e lembram que o projeto prevê também a destinação de uma "mesada" àquelas(es) que quiserem deixar a atividade. Por outro
    lado, há quem diga que a lei simplesmente estimularia a prostituição "indoor", mais distante do radar dos serviços públicos de assistência médica e psicológica.

    LUCAS NEVES, 30, é jornalista.

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