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    As baladas de Zuca Sardan

    texto e ilustrações ZUCA SARDAN

    01/03/2015 03h41

    SOBRE O TEXTO "Apito Vesperal" é uma das seis "baladas totêmicas" que compõem "MILORDE E MEDUSA (Gesta Marinha)", novo livro do poeta e desenhista carioca que sai como e-book pela e-galáxia em abril.

    *

    Apito vesperal
    Leia baladas de Lorde Bill
    no Apito Vesperal, tabloide
    que traz as notícias de amanhã
    Se você quiser saber o que vem
    por aí, consulte em nosso pasquim
    a sua atualíssima Xarada do Dia

    Xarada do dia
    Aperte sua figa e se prepare...
    Número da Balada: ...... 1
    Lance duas vezes o dado ..
    se 1° lance deu... 6
    e 2° lance deu .. 2
    sua Sextilha é a... 162.

    111- PARTIDA
    Solta a corda, agora
    vai zarpando Nau Porqueta
    quem não estiver a bordo
    assovie um bolero e venha
    nadando ou então sossegue
    e fique plantado no cais

    Zuca Sardan

    112- APITO
    Milorde sempre lê a manchete
    do Apito Vesperal do dia
    Valendo-se do Horóscopo
    das horas dos vários meridianos,
    é o único vespertino que já hoje
    vos traz as notícias de amanhã

    113- KAISER
    Kaiser Woskar ruge
    torce os bigodes
    do cais brada feroz
    de punho alçado
    pra Nau de Lord Bill
    "Krig Izkrig, Kapitong!!"

    114- LORD BILL
    Diante da cabine da Gueisha
    grave caso de amor infeliz
    e ainda secreto pela japona
    Lord Bill no lustre enforcado
    pivoteia estala caracola
    de fardão nobre defunto

    115- TRESLOUCADO
    Malgrado fatais esgares
    do louco capitão suicida
    o Tempo marcha e a Terra
    segue loucamente a rodar
    o Apito anuncia propício
    a bordo um fremente forró

    116- KITUKA
    Kituka faz manha
    fecha o leque
    faz muxoxo
    quero não quero
    abre o leque sorriu
    fecha o leque sumiu

    121- MANGÁ
    Na Nau Porqueta...
    Madame Kituka
    de boquinha preta
    e bochecha branca
    distinta rebola-bola en-...
    rolada no de seda mangá...

    Zuca Sardan

    122- TANGO
    Tango nipão
    de atroz sofrer
    não escapa
    ninguém num
    sôfrego harakiri
    da Gheisha fatal...

    123- KETAL
    "Madame, Ketal?..."
    sussurra o Bonzo
    de dois dentões
    pra Geisha Kituka
    na estampa do sachet
    do sabugoso mingau

    124- FAIXAS
    Bill corta a corda
    cai a salvo sentado:
    "Assaz de manhas
    desenrola-te, nanica,
    presto das faixas tantas...
    desse infindável mangá."

    125- MINGAU
    Madame Kituka agora
    resolve bancar mimosa:
    "Tomai do suave mingau
    prum sonho bom, Milorde."
    "A faixas quantas vamos,
    Kituka, no rolo do mangá?"

    126- PONDERAÇÕES
    Lorde Bill austero contrapõe
    suas nobres ponderações:
    "Acorda-me tu então depois"
    "Depois de quê?, Milorde?"
    "De se porventura do rolo
    desembolar-se o gambá."

    131- PALCO
    Lord Bill enrola depois
    bem embrulhadinha
    Dona Kituka de volta no
    mangá debaixo do braço
    vai contemplar da proa
    o vasto palco neptunal

    132- MEDUSA
    Medusa na Jangada
    sacode a vasta melena
    solta mantras ao vento
    "Milevrot Levrot Kaput"
    Nave s'estremece solta
    no tufão forte apito...

    133- JANGADA
    Na Jangada-Trattoria
    Una Sola Buona Famiglia
    Medusa bela de turbante
    manto grenat cantarola
    a Mantra das Górgonas
    "Acrab Acrab Atadunfa"

    134- BALEIA
    Lá vem Baleia Borodin
    babando bufando
    mais parece um tufão
    bufando babando
    pra passar na Porqueta
    a turbina dos dentes

    135- PAVOA
    Da Pavoa Liz Dodó*
    Tongo quebra o ovo
    na borda da panela
    (*vive oculta no porão
    última de sua espécie
    extinta d'Ilha Perduta)

    136- GORGA
    Nessa Janga... nessa
    Jangada mora a Gorga...
    a Górgona que se cham...
    que se chama Medusão.
    que roubou que bocou
    que comeu meu coração

    141- MORDIDA
    "Medusa, ai!, mais devagar,
    na mordida, rebola a língua
    no remelexo da queixada"
    "Milorde, então agora
    reze uns padrenossos
    com cerveja e tremossos"

    142- BOCÃO
    "Tu, meu atroz bocão roxo,
    minha voraz Gorga Medusa,
    não vás t'engasgar, adágio,
    prenda minha, loca pasión
    de mis dolores, cospe fora
    o fêmur é grande demais"

    143- TRAGÉDIA
    (*Il pubblico è stato davero
    entusiasmato dalla tragedia)
    "Não me comas todo dei-
    xa o toco pra Palermo"
    "O Inferno tem duas portas
    uma de veludo outra de ferro"

    144- BORDINHA
    Da bordinha resvala
    desaba Medusa grita
    a diva Górgona sacode
    as belas tetas titânicas
    e cai vultosa nas águas
    junto com Capitão Bill

    145- ONIPOTÊNCIA
    (Onipotência de Eros?...
    Tu, hipócrita Leitor!...)
    "Ai!, Medusa, nós dois
    juntos no mar estrelado
    dois náufragos ao luar...
    Beija-me, minha Gorga..."

    146- SOCORRO
    "Socorro, Medusa, me segura
    bem apertadinho, não faças
    cerimônias, me gruda firme
    que eu não sei nadar glu-glu..."
    "Bill, madraço, bancando o peru!"
    "Verdade, Medusa... glu-glu-glu..."

    151- PLATEIA
    (Plateia à socapa protesta
    isso stá virando chanchada)
    "Dusa acaso deixa de ser
    rosa e vira preta se eu
    tirar-lhe a tanga e o fio?
    Górgona de mis amores"

    152- FAXINA
    (Muito tem comovido
    esse trecho, impregnado
    de bravo empenho civil)
    Mas Medusa tem uma
    dura faxina no convés...
    só pro Bill não fazer nada

    153- HERODES
    (Ora baixa presto a moral
    de nossa saga naval)
    Herodes babão sussurra
    pra Salomé: "Não queres
    dançar pro titio Rorrodes...
    com tua tanguinha lamê?"

    154- SALOMÉ
    (Está cheirando a pedofilia...
    Qual é a idade da menina?)
    Salomé com cruel muxoxim:
    "eu danço a noite toda
    e vós? Ficais banzando
    à toa, seu velho tarado..."

    155- MODERNIDADE
    Diz o Capitão pro Herodes
    "Dou apoio à Modernidade,
    mas com Modus in Rabus:
    Seria bom Salomé não usar
    essa tanguinha lamê pra que
    não s'ouricem probos marujos"

    156- LIBERAL
    Herodes proclama
    seu humanismo liberal:
    "Eu cá, trago meu coração
    juvenil de modesto rapaz" ...
    "Lava-o bem, bom Rei,
    de esfregão e água raz"

    161- CABOGRAMA
    Até aqui tudo bem, mas
    entra o Molek trazendo
    ao Capitão na bandeja
    de Netuno cabograma
    lhe perguntando s'acaso
    a bordo s'encontra Dusa

    162- TENSÃO
    (Momento de grave tensão
    estadistas se formalizam
    voam enxames de aviões)
    Capitão à amurada faz pose...
    Em perigo o futuro da Europa
    e o destino do Peloponeso!...

    163- RESSENTIDO
    Capitão Bill, ressentido,
    usa tom grave e digno:
    "Netuno, alça-te e verás
    todas as tetas a bordo,
    outras são que não as
    de Medusa garbosas"

    164- RETÓRICA
    (Magistral golpe de retórica,
    passando do grave ao brejeiro)
    "Enganas-te, pois, Netuno,
    de tetas, nave e gesta naval
    Talvez melhor assuntares
    pela cravela do Vosco"

    165- NETUNO
    (Netuno meio se abranda
    com a audaz: homenagem:)
    "Achas então que a Dusa
    tetas tenha assim formosas? "
    "Digo-te cá, assim fulgentes
    outro par de tetas não há."

    166- ENFIM
    Foi-se o feroz Netuno
    mar afora atrás do Gamba...
    Capitão Bill abre o armário.
    Surge Dusa soberba e triunfal
    E nós, ora postos em sossego,
    podemos pular no nosso carnaval.

    ZUCA SARDAN, 81, diplomata, poeta e ilustrador, é autor de, entre outros, "Ximerix" (Cosac Naify).

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