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    Leia três poemas de Tomas Tranströmer

    TOMAS TRANSTRÖMER
    tradução ENAIÊ AZAMBUJA
    ilustração PAULO PASTA

    29/03/2015 03h02

    SOBRE O TEXTO Os poemas abaixo fazem parte de coletânea que será lançada pela Companhia das Letras no segundo semestre deste ano.

    Abril e silêncio

    A primavera jaz abandonada
    Uma valeta de cor roxa escura
    move-se ao meu lado
    sem restituir nenhuma imagem.

    A única coisa que brilha
    são algumas flores amarelas.

    Carrego-me dentro de minha
    própria sombra como um violino
    em seu estojo.

    A única coisa que quero dizer
    paira bem fora do alcance
    como a prataria da família
    numa casa de penhores.

    Paulo Pasta

    Noite de inverno

    A tempestade aproxima seus lábios da casa
    e assopra para fazer som.
    Eu durmo, inquieto, mudo de posição, com os
    olhos fechados leio o livro da tempestade.

    Mas os olhos da criança se arregalam no escuro
    e a tempestade choraminga pela criança.
    Ambas gostam de ver a lâmpada que oscila.
    Ambas estão a meio caminho da linguagem.

    A tempestade tem mãos e asas infantis.
    A caravana se apressa em direção à Lapônia
    e a casa sente a constelação de pregos
    mantendo as suas paredes juntas.

    A noite está quieta sobre nosso chão
    (onde todos os passos evanescentes
    deitam-se como folhas submersas numa lagoa)
    mas lá fora a noite é selvagem!

    Uma tempestade mais grave se move sobre todos nós.
    Aproxima seus lábios de nossa alma
    e assopra para fazer som. Tememos que
    a tempestade venha a destruir tudo que está dentro de nós.

    *

    Vendo através do solo

    O sol claro se dissolve na cerração.
    A luz pinga, cava o seu caminho em direção

    aos meus olhos subterrâneos que estão lá
    sob a cidade, e eles vêem a cidade

    de baixo: ruas, fundações das casas –
    como fotos aéreas de uma cidade em tempos de guerra

    mas ao contrário: fotografar da toca...
    retângulos mudos em cores sombrias.

    É lá que as coisas acontecem. Ninguém pode diferenciar
    os ossos dos mortos daqueles dos vivos.

    A luz do sol cresce, inunda
    cabinas e cascas.

    TOMAS TRANSTRÖMER, 83, poeta sueco, venceu o Prêmio Nobel de literatura de 2011.

    ENAIÊ AZAMBUJA, 24, é tradutora e cursa mestrado em literatura inglesa na Universidade de Estocolmo.

    PAULO PASTA, 56, é artista plástico.

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