• Ilustríssima

    Friday, 03-May-2024 15:02:22 -03

    Tate Modern, em Londres, planeja expansão 15 anos após inauguração

    NATHALIA LAVIGNE

    05/04/2015 03h00

    RESUMO Em seu primeiro ano, a Tate Modern, que ocupa uma velha usina reformada pelos arquitetos Herzog & de Meuron, foi o museu de arte moderna e contemporânea mais visitado do mundo. A instituição ainda atrai multidões, mas conta com menos recursos públicos. Construir um novo prédio é um caminho para buscar receitas.

    *

    O prédio da antiga usina termoelétrica em Bankside ainda era um canteiro de obras quando Marcus Dickey-Horley, 51, entrou ali pela primeira vez, em janeiro de 2000.

    A quatro meses da inauguração da Tate Modern, tratores com cimento circulavam de um lado a outro pelo vão central, e o cheiro de óleo daquela antiga sala de turbinas ainda era forte.

    Responsável por coordenar o acesso dos visitantes, Marcus começou a trabalhar no novo museu seis semanas antes da inauguração. Ele recorda o primeiro fim de semana: "Nunca vi uma multidão como aquela. No sábado, a fila ia até a estação Blackfriars, no outro lado do rio. Tivemos que segurar até 400 pessoas no Turbine Hall pois era impossível entrar mais gente nas galerias".

    Tate Photography
    Antiga Turbine Hall, hoje entrada do Tate Modern, servirá de conexão com o novo prédio
    Antiga Turbine Hall, hoje entrada do Tate Modern, servirá de conexão com o novo prédio

    A tal multidão –cerca de 45 mil pessoas– foi só o prelúdio. No primeiro ano de funcionamento, a Tate Modern se tornou o museu de arte moderna e contemporânea mais visitado do mundo, com um total de 5,25 milhões de pessoas –e segue na dianteira até hoje.

    Naquele ano, recebeu mais que o dobro de visitantes que o MoMA, em Nova York. E, principalmente, o dobro do que era esperado. Apesar de o número ter diminuído de 5,5 para 4,8 milhões de visitantes em 2014, o museu bateu outro recorde no ano passado: a mostra "Henri Matisse: The Cut-Outs" foi a temporária mais visitada da instituição, vista por 562.622 pessoas.

    A Tate Modern comemora seu 15º aniversário em plena expansão. O novo prédio, previsto para 2016, leva a assinatura dos arquitetos Herzog & de Meuron –a mesma dupla suíça que adaptou a antiga usina projetada nos anos 1940 por Giles Gilbert Scott (famoso por ter criado as cabines telefônicas vermelhas) para a instalação da Tate Modern.

    Os tijolos aparentes lembram a estrutura original, mas o complexo em construção, uma pirâmide assimétrica, de 11 andares e 21 mil metros quadrados, é mais monumental e deve aumentar a capacidade do museu em até 60%.

    A sala de turbinas da antiga usina, o Turbine Hall, ligará os prédios: "A ideia do novo complexo é ser também um ambiente que favoreça o encontro, um lugar de atividades", ressalta o diretor da instituição, Chris Dercon.

    Se acomodar melhor o público e ter mais salas para a coleção e mostras temporárias justificam a ampliação, orçada em 215 milhões de libras, a Tate tem ainda outra razão central para investir nela.

    Desde que o financiamento que recebia do governo pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS, na sigla em inglês) foi reduzido em até 16% nos últimos cinco anos, diversificar as fontes de renda se tornou palavra de ordem na instituição. O novo prédio é fundamental para esse processo.

    "Como os investimentos públicos para museus vêm diminuindo, é preciso encontrar outras formas de se manter. Espaços para promover eventos são importantes para atrair patrocinadores. Restaurante, loja e livraria também são fontes de lucro. Para administrar um museu hoje é preciso equilibrar todos esses componentes", explica Andy Pratt, professor da City University of London e especialista em economia criativa.

    CAÇULA
    Idealizada em 1992 para abrigar a coleção de arte moderna internacional e contemporânea da antiga Tate Gallery, a Tate Modern é o terceiro ramo da instituição, que já tinha duas filiais no Reino Unido: a Tate Liverpool, aberta em 1988, e a Tate St. Ives, em 1993.

    Quando o novo museu em Bankside ficou pronto, o prédio original de Millbank, também no sul de Londres, passou a se chamar Tate Britain, abrigando só o acervo de arte britânica –base da coleção da instituição, fundada em 1889.

    A caçula é a mais bem-sucedida das galerias. O número de visitantes anual das outras três equivale a metade do total de visitação da Tate Modern. Ela é também uma das três atrações turísticas mais visitadas no Reino Unido e dá a Londres um retorno financeiro de 100 milhões de libras ao ano.

    Diretor da Tate desde 1988, Nicholas Serota é considerado principal responsável pelo sucesso do museu. No comando das quatro galerias, ele foi eleito em outubro passado a figura mais importante da arte contemporânea pela lista anual da "ArtReview". O trabalho na Tate Modern, que definiu "um paradigma ocidental do sistema de artes, sendo exportado para o mundo inteiro", nas palavras do editor da revista, Mark Rappolt, foi a principal justificativa.

    Serota tem um papel que vai além das funções administrativas. Costuma visitar ateliês de artistas e assina a curadoria de exposições, caso da mostra sobre Matisse.

    Ele também teve uma atuação importante na escolha do prédio onde nasceria a Tate Modern e no apoio do governo para que a galeria fosse gratuita –iniciativa que se estendeu a todos os museus nacionais de Londres, em 2001.

    Mas talvez seu principal mérito ao idealizar o museu tenha sido identificar a oportunidade. "O que a Tate Modern estava propondo correspondia ao espírito daquele tempo. Dirigir o foco para uma perspectiva internacional e cosmopolita tinha muito a ver com Londres no fim dos anos 1990, quando o governo britânico começou a levar a sério a cultura contemporânea", ressalta Andy Pratt.

    As mudanças que a Tate Modern levou ao Bankside também fizeram da instituição um modelo seguido por diversas outras cidades. A antiga região industrial era uma das áreas mais pobres da cidade –hoje é um polo turístico.

    A nova galeria foi planejada com o propósito de exibir e ampliar o acervo de arte moderna internacional e contemporânea, além de abrigar departamentos voltados a pesquisa e formação do público. E não aderiu à onda de construir filiais pelo mundo, contrapondo-se ao "efeito Guggenheim", que teve início com a construção do museu em Bilbao. Preferiu investir em parcerias com instituições internacionais, como a firmada com a Pinacoteca em 2012.

    Nos últimos anos, lançou também comitês de aquisição voltados para regiões como Rússia, Leste Europeu e sul da Ásia. Ampliar o alcance internacional é também um dos objetivos da nova fase.

    GLOBAL
    Mesmo vendo com bons olhos a iniciativa do museu, T. J. Demos, professor da University College of London (UCL) e especialista em arte contemporânea e globalização, aponta algumas falhas na proposta da Tate Modern de representar uma produção global.

    "Há uma hierarquia clara na programação, que tende a priorizar artistas europeus e americanos em individuais, enquanto nomes do eixo não ocidental aparecem em mostras coletivas", critica.

    Para Demos, o projeto de expansão se aproxima do modelo em que novos museus são criados como espaços de consumo e voltados para o turismo.

    "Infelizmente, esse formato não é desafiador estética ou politicamente. Não há uma programação ambiciosa e voltada para temas contemporâneos, como se vê no Reina Sofía, em Madri, por exemplo. A Tate atende cada vez mais a interesses privados, abrindo mão de sua função como instituição pública", diz ele.

    A aproximação com o setor privado é uma das principais críticas feitas à instituição. Hoje, cerca de 30% de seu orçamento (30,4 milhões de libras, no último ano) vem do governo –os outros 70% são captados em diversas frentes.

    No ano passado, a Tate fechou uma acordo de 11 anos com a Hyundai para patrocinar as famosas instalações do Turbine Hall –artistas como Louise Bourgeois, Olafur Eliasson e Ai Weiwei já criaram obras para o espaço.

    "A maior parte do setor cultural no Reino Unido adotou esse sistema. O risco é ser patrocinado por uma empresa que comprometa sua reputação", comenta Pratt.

    Desde 2010, o coletivo de arte Liberate Tate tem feito uma série de performances em protesto contra a parceria da Tate Britain com a empresa de petróleo BP, responsabilizada pelo desastre ambiental do Golfo do México, há cinco anos. Um dos objetivos era que a instituição revelasse publicamente as informações do contrato com a BP.

    Quando, no fim de janeiro, foi divulgado o valor recebido em 17 anos, a quantia de 3,8 milhões de libras foi considerada baixa pelo grupo: "Com esses dados, ficou claro que a motivação do acordo não é apenas financeira, pois o dinheiro envolvido é muito pequeno", afirmou Jane Shellac, uma das integrantes do Liberate Tate.

    Apesar de a BP não ser patrocinadora direta da Tate Modern, é bem provável que o grupo planeje alguma performance para a inauguração do prédio anexo ano que vem. Se a ideia da nova Tate Modern é ser mesmo um espaço de ruptura e voltado para todo tipo de encontro, como definiu o diretor, atos como esses também devem ser bem-vindos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024