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    Ponto Crítico - Urbanismo - Largo da Batata

    GUILHERME WISNIK

    12/04/2015 03h05

    O ativismo urbano está na ordem do dia, tanto pelas manifestações políticas e os "occupy" pelo mundo quanto pelas ações urbanas que reivindicam o uso efetivo dos espaços públicos. Fruto do cruzamento de muitos fatores, esse ativismo decorre da combinação entre a evidente exaustão dos modelos políticos tradicionais, por um lado, e a ascensão das práticas autogestionárias através das novas redes de compartilhamento, por outro.

    É nesse contexto que um movimento recente contra a construção de um shopping em uma praça de Istambul ganhou repercussão mundial. É também nesse contexto que, em São Paulo, grupos ativistas da sociedade civil, organizando-se de formas colaborativas, horizontais e independentes, passaram a ocupar intensamente certas áreas da cidade, tais como o Minhocão e o seu entorno, o parque Augusta e o largo da Batata. Ações conhecidas como "urbanismo tático".

    O movimento A Batata Precisa de Você surgiu em janeiro de 2014, como um grupo de pessoas que passou a realizar encontros na praça às sextas-feiras no final da tarde e à noite. Ganhando repercussão inesperada, o grupo passou a servir também como plataforma colaborativa para a organização de eventos variados naquele mesmo espaço, gerindo um calendário comum de atividades, e fornecendo apoio logístico para sua realização.

    São debates, apresentações musicais, cinema ao ar livre, oficinas, saraus, jogos, festas, e um laboratório de mobiliário urbano que se dedica à construção de bancos de praça.

    O objetivo fundamental do movimento é a transformação desse espaço estéril e de passagem em um lugar de estar, que possa durante um certo tempo agregar as pessoas. Trata-se de uma guerrilha urbana, procurando apropriar-se de um enorme descampado árido, sem bancos, sombra ou proteção contra a chuva e com parca iluminação e árvores esquálidas.

    Ao contrário da "plaza mayor" na América hispânica, que disciplina o desenho em grelha das cidades a partir de um espaço público nítido, os "largos" lusitanos, no caso brasileiro, são em geral espaços sobrantes e irregulares, resultados, muitas vezes, da expansão de pátios e terreiros de igrejas. No caso de São Paulo, alguns desses largos se tornaram importantes centros regionais da metrópole, tais como os largos Treze (Santo Amaro), da Concórdia (Brás) e da Batata (Pinheiros), marcados por uma relação simbiótica entre transporte público, comércio informal, alta aglomeração humana e urbanidade caótica. Espaços vitais, porém muito precários.

    Principal obra pública da Operação Urbana Faria Lima, iniciada por Maluf nos anos 1990, o novo largo da Batata surge com a chegada do metrô e o deslocamento do terminal de ônibus para a marginal Pinheiros, acompanhando uma nova vocação corporativa para a área. Erradicando o antigo comércio local, a obra criou um espaço desertificado, tido formalmente como espaço público, mas feito sob medida para que nada mais aconteça efetivamente ali. O largo virou esplanada.

    Lembrando que a região abrigou desde longa data mercados populares (o mercado caipira, depois o Mercado de Pinheiros), e tem seu nome ligado à cooperativa de agricultores japoneses que ali estabeleceram seu importante entreposto de comércio de batatas, vejo um paralelo entre o nosso largo e o Les Halles parisiense, principal mercado popular da capital francesa até a sua destruição em 1971 para a construção de um enorme shopping, que é considerado um dos maiores fracassos urbanos da segunda metade do século 20.

    Não por acaso, foi recentemente demolido e encontra-se em processo de revisão e transformação.

    Voltando ao nosso caso, podemos indagar quanto tempo ainda teremos que ficar com essa novíssima batata quente na mão. Mas tomando o exemplo do grupo que atualmente está incentivando o uso daquele lugar, entendemos que, em tais condições adversas, "a batata" precisa mesmo é de nós. Isto é, são as pessoas organizadas pelo idealismo cívico que poderão, em alguma medida, reinventar em novas bases, pelo uso, aquele
    lugar como espaço público.

    GUILHERME WISNIK, 42, é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi curador da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013.

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