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    Até que ponto é grave o problema da desigualdade?

    TIM HARFORD
    DO "FINANCIAL TIMES"

    18/06/2015 18h58

    Até que ponto é grave o problema da desigualdade? E, se é sério, o que pode ser feito a esse respeito?

    Há mitos de sobra. Muitas pessoas parecem pensar que "O Capital no Século 21", de Thomas Picketty, demonstrou que a desigualdade de renda está no ponto mais alto da história, mas os dados do livro indicam que ela cresceu apenas lentamente desde a década de 1970, depois de ter caído ao longo do século 20. Na Europa, felizmente, estamos muito distantes da disparidade existente no passado.

    Outra ideia comum é que o 1% mais rico da população mundial é dono de metade da riqueza do mundo (o que é quase verdade) e que sua parcela da riqueza cresce inexoravelmente (não é verdade). O 1% mais rico possuía 48,2% da riqueza mundial em 2014, segundo pesquisa amplamente citada da Credit Suisse, mas essa parcela vem oscilando nos últimos 15 anos. Hoje está mais baixa que em 2000 e 2001.

    Tampouco está claro que a desigualdade global esteja aumentando. A renda média na China e na Índia está subindo muito mais rapidamente que nos países mais ricos, e isso representa um impulso poderoso em direção à igualdade de renda. Mas a disparidade interna vem crescendo em muitos países. Pesquisas de Branko Milanovic, autor de "The Haves and the Have­Nots" (os ter e os não ter), sugerem que na última geração os dois movimentos opostos resultaram num equilíbrio aproximado.

    Um último mito é o de que a desigualdade no Reino Unido aumentou desde a crise financeira. Na realidade, ela diminuiu muito. "A desigualdade hoje está significativamente menor que em 2007-08", anunciou o Instituto de Estudos Fiscais no verão passado, sendo sua conclusão baseada em estudos feitos até abril de 2013. Mas o instituto acrescentou que existem "bons motivos para acreditar que a queda na desigualdade desde 2007-08 esteja sendo invertida hoje".

    Em vista de tudo isso, a que se deve a ansiedade repentina em relação à desigualdade? A resposta é em parte política: depois da crise financeira, as rendas caíram e depois estagnaram. E, devido à crise, parecia risível afirmar que as atividades empreendedoras dos ricos iriam indiretamente ajudar os pobres. Nada disso está diretamente ligado à ascensão da desigualdade, mas muda as percepções.

    No entanto, está acontecendo mais que uma mera mudança nos ventos políticos. Pela maioria das medidas razoáveis, a disparidade de renda cresceu substancialmente nos últimos 40 anos nos Estados Unidos e no Reino Unido, tendo subido especialmente na década de 1980. Isto deve esclarecer a questão: o problema é apreendido mais claramente dentro dos limites dos países, e não globalmente; ele é percebido em termos de renda, e não tanto de riqueza, e ao longo das últimas décadas, mais que dos últimos anos. E é suficientemente nítido para prescindir de qualquer exagero.

    Assisti recentemente ao lançamento do livro "Inequality: What Can Be Done?" (Desigualdade -o que pode ser feito?), de Anthony Atkinson. O autor é o economista que preparou o palco para astros mais jovens, como Thomas Piketty e Emmanuel Saez; seu primeiro artigo importante sobre o tema da desigualdade foi publicado em 1970, antes de qualquer um dos dois ter nascido.

    Para ele, uma coisa que pode ser feita é usar as mesmas ferramentas redistributivas antigas com mais vigor. O Reino Unido já pratica a redistribuição ampla de renda. Como observa Gabriel Zucman, da London School of Economics, os 20% mais ricos do Reino Unido tiveram renda bruta (antes da dedução de impostos) 15 vezes maior que os 20% mais pobres, mas depois de contabilizados impostos e benefícios sociais, sua renda passa a ser apenas quatro vezes maior que a dos 20% mais pobres.

    Para algumas pessoas, isso já deve parecer uma redistribuição mais que suficiente. Outros discordam, e Atkinson é um deles. Ele gostaria de que a atual alíquota máxima de imposto de renda, 45%, fosse aplicada aos que recebem muito menos (cerca de £65 mil por ano); que fosse adotada uma nova alíquota máxima de 65% para os que ganham mais de £200 mil por ano; que o salário mínimo fosse elevado substancialmente; que uma "herança mínima" fosse paga a cada jovem ao chegar aos 18 anos; que houvesse emprego público garantido, que a taxação de heranças e bens fosse mais abrangente e que os benefícios sociais universais fossem ampliados.

    Quer você goste ou rejeite essas propostas, não há como negar que são ambiciosas. Não sei se uma alíquota máxima de 65% pode ser contraproducente, e Tony Atkinson tampouco sabe. Desconfio que seja, e as evidências disponíveis oferecem alguma confirmação disso. Mas a margem de incerteza é grande; logo, Atkinson tem razão em dizer que as evidências não excluem conclusivamente suas propostas.

    Atkinson quer tornar as próprias rendas de mercado mais igualitárias, deixando menos por conta do Estado de bem-estar social. Ed Miliband, líder do Partido Trabalhista, falou certa vez em "pré-distribuição", uma palavra deselegante que exprime a mesma ideia. Mas nem Miliband nem Atkinson são inteiramente persuasivos em relação a como a ideia poderia funcionar.
    Atkinson sugere que a política de competição seja usada para reduzir a desigualdade, avaliando fusões e rompendo ou regulamentando monopólios. Ou quem sabe o apoio do Estado à ciência e inovação, sempre importante, pudesse favorecer inovações que complementassem o trabalho humano, em lugar de tomar seu lugar? Tudo isso é possível na teoria. Mas minha imaginação não é capaz de visualizar quais poderiam ser essas inovações que complementam o trabalho humano, nem como o governo poderia ajudar a produzi-las.

    A discussão sobre a desigualdade vem mudando rapidamente, mas isso não se reflete nas possibilidades visualizadas pelos políticos do mainstream.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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