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    O desafio de entusiasmar os fãs de cinema do teaser à estreia

    MICHAEL CIEPLY
    DO "NEW YORK TIMES", EM SANTA MONICA (CALIFÓRNIA)

    23/06/2015 14h00

    Cento e trinta mil fãs vão lotar o Centro de Convenções de San Diego em julho para participar da caça ao tesouro anual da cultura pop conhecida como Comic-Con International.

    E alguns grandes estúdios de cinema vão pagar a uma firma muito pequena, Kernel, para localizar comércio no meio do caos.

    A Kernel foi fundada um ano atrás por Dave Harvilicz e Andy Martinez. Os dois se identificam como "superfãs" que iriam a San Diego em julho mesmo que não estivessem trabalhando para a Sony Pictures e a 20th Century Fox.

    Mas, deixando a diversão de lado, a Kernel vem pesquisando na surdina um dos problemas mais persistentes de Hollywood. O problema de como canalizar e explorar o entusiasmo das plateias, que pode chegar ao auge com o lançamento de um trailer precoce (como aconteceu com "Serpentes a Bordo", da New Line, em 2006) ou com uma experiência vibrante na Comic-Con ("Scott Pilgrim Contra o Mundo", em 2010), e então dissipar-se antes de o filme chegar aos cinemas.

    Harvilicz, 40 anos, é o executivo-chefe da Kernel. Ele se sente à vontade de camiseta, com uma informalidade que condiz com a sede de sua empresa, de frente para o mar em Santa Monica. O diretor de tecnologia, Andy Martinez, tem 31 anos, é magro e um pouco amarrotado. Foi dele o insight que levou ao surgimento da Kernel.

    Depois de assistir a um teaser rápido de "Interestelar", de Christopher Nolan –sem cenas do filme e quase um ano antes de seu lançamento, em novembro de 2014–, Martinez se recorda de ter pensado "por que será que não posso aproveitar esse momento emocional?".

    Com apoio financeiro de John Mackey, co-fundador da Whole Foods Market, e outros, Harvilicz e Martinez abriram a Kernel, que hoje tem 12 funcionários. A empresa começou como uma intuição e se converteu em um negócio em grande parte baseado na web que se propõe a ajudar os estúdios de cinema a se engajar com os fãs, ao mesmo tempo em que ganham dólares a partir do momento em que um futuro blockbuster começa a gerar interesse, ou então entre um e outro lançamento de séries de vida longa como os filmes "X-Men", da Fox e da Marvel.

    Uma investida inicial se concentra sobre a aventura de ficção científica da Sony "A Quinta Onda". Baseada em um romance de Rick Yancey para adultos jovens, o filme, com Chloe Grace Moretz ("Kick-Ass") no papel principal, tem lançamento previsto para janeiro de 2016.

    Alonso Cupul - 12.jun.2015/Efe
    O atores Nick Robinson (esq.), Chloë Grace Moretz e Liev Schreiber, do filme "A Quinta Onda", no evento Annual Summer of Sony, no México
    O atores Nick Robinson (esq.), Chloë Grace Moretz e Liev Schreiber, do filme "A Quinta Onda", no evento Annual Summer of Sony, no México

    Mas a Kernel começou a vender ingressos para o filme em seu site em 23 de dezembro passado, 13 meses antes da estreia prevista. E os ingressos vêm em pacotes que podem incluir um download futuro, um pôster, um roteiro ou até uma mochila Burton azul igual à que Moretz carrega no filme.

    No caso de um pacote premium, que inclui dois ingressos para a première do filme, ainda não marcada, os preços podem chegar a US$1.000. "É a segunda geração do 'crowdfunding' (financiamento coletivo)", disse Harvilicz.

    As vendas de ingressos ajudam os estúdios a entrar em contato com as pessoas que vão aos cinemas, sem entrarem diretamente no ramo da exibição de filmes, do qual são barrados por restrições legais. Ao mesmo tempo, a Kernel cuida dos detalhes da manutenção do interesse dos fãs, acompanhando os espectadores nas mídias sociais e procurando produtos, como a mochila, que possam conservar seu interesse por um filme. É o tipo de trabalho que muitos consultores de marketing fazem diariamente para estúdios de cinema, mas é feito com atenção especial voltada aos superfãs dedicados.

    Nascido em Baltimore e formado em direito em Harvard, Harvilicz insiste que os estúdios deveriam adotar essa abordagem direta aos fãs –com a ajuda da Kernel–, sem depender muito de firmas como o Facebook, cujas páginas de fãs podem coletar e usar informações valiosas sobre frequentadores de cinemas, dados aos quais os estúdios não têm acesso ou por cujo acesso precisam pagar.

    "Os estúdios precisam acompanhar mais seus próprios fãs", ele comentou no mês passado.

    Martinez e Harvilicz se negaram a comentar quanta receita foi gerada por vendas ligadas a "A Quinta Onda". Mas Michael Lynton, o executivo-chefe da Sony Pictures, está satisfeito com os resultados e prevê trabalhar mais com a Kernel.

    "Eles são parceiros incríveis", falou Lynton, referindo-se tanto ao trabalho da Kernel com "A Quinta Onda" quanto à ajuda dada pela firma com um projeto mais delicado, no ano passado.

    Quando o filme "A Entrevista", da Sony, saiu dos cinemas depois de hackers terem ameaçado atos de violência contra quem o exibisse ou as pessoas que fossem aos cinemas vê-lo, a Kernel foi uma das primeiras a se oferecer a ajudar a disponibilizá-lo online. Ela criou um site transacional patrocinado pela Sony para acompanhar os canais de distribuição que em pouco tempo foram oferecidos pelo Google e outros.

    Exigindo anonimato para falar, devido a restrições de confidencialidade, pessoas informadas sobre o trabalho da Kernel disseram que a empresa cooperou estreitamente com a polícia durante o ciberataque à Sony e depois aconselhou outros estúdios em questões de segurança na Web. Harvilicz e Martinez não quiserem comentar esse esforço.

    Na semana passada a Kernel fechou um acordo com a Fox pelo qual vai auxiliar uma unidade que cuida da administração de franquias –a manutenção de filmes como "Maze Runner - Correr ou Morrer" ou a franquia "X-Men", por exemplo.

    Cristina Mancini, vice-presidente executiva de administração de franquias da Fox, disse que no passado "a gente mais ou menos abandonava os fãs" entre o lançamento de um filme em vídeo e a chegada de sua sequência nos cinemas. Ela espera que a Kernel venha cobrir essas lacunas, possivelmente vendendo ingressos e parafernália para um terceiro filme "Maze Runner", previsto para 2017, enquanto ainda é preparada a estreia do segundo ("Maze Runner: The Scorch Trials"), em setembro.

    Daniel Solnicki cuida de distribuição digital e de televisão mundial na DreamWorks Animation. Ele disse que também está contratando a Kernel, de olho no marketing da coleção crescente de seriados de TV da DreamWorks, incluindo seriados ligados aos filmes "Como Treinar o Seu Dragão".

    "A linha que separa expressão e comércio desapareceu por completo", disse Solnicki, aludindo ao fato de a Kernel fundir interesse dos consumidores com vendas imediatas.

    Na Comic-Con, Harvilicz e Martinez vão estar à procura de novas ideias e produtos. Harvilicz disse que uma ideia é começar a acoplar a venda de ingressos de cinema com a venda de livros da série "A Quinta Onda", publicada pela Penguin (no Brasil, pela editora Fundamento).

    E eles esperam que a Disney exiba sua nova nave espacial Millenium Falcon. A Disney não se pronunciou sobre o assunto, mas os verdadeiros fãs não perdem uma oportunidade possível. "Nós dois somos fãs enormes de 'Star Wars'", disse Martinez.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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