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    Leia quatro poemas de Sophie Hannah, que participa da Flip 2015

    SOPHIE HANNAH
    tradução ALÍPIO CORREIA DE FRANCA NETO
    ilustração SÉRGIO SISTER

    28/06/2015 02h02

    SOBRE O TEXTO Estes poemas serão lidos em inglês pela autora, no sarau Sobre Poetas e Detetives. O evento, parte da programação paralela da Flip, acontece no dia 3, e é uma iniciativa do British Council e da Casa Rocco.

    *

    DEIXAR E DEIXAR VOCÊ

    Quando eu deixar seu CEP e estação,
    Deixar desfeito o que íamos fazer,
    Talvez lhe ocorra ser deixado então
    Mas há deixar e há deixar você.

    Quando eu deixar sua cidade e clube,
    Deixar sem muito alarde nem remorso,
    Não esqueça, há o que perturbe e te perturbe,
    O que não fiz, jamais farei nem posso.

    Quando eu me for, não esqueça que ao pesar
    Tudo, do amor a um aluguel menor,
    Você foi o que me fez pensar ficar
    E não deixar como é de se supor;

    Embora eu deixe sua imagem, paisagem
    E o afastamento em pouco seja um fato
    E do que deixo e esqueço esteja à margem,
    Eu não te deixo, se intenção gera o ato.

    Foto Eduardo Anizelli/Folhapress

    UM BOSTA EM ADULTÉRIO

    Desisto de mais uma noite
    Pra ouvir suas queixas e nhenhenhém
    Sobre sua depressão medonha
    E sobre se sentir que nem
    Um porco? Você diz, não deixo
    Mulher e filhos. Muito bem;

    Pedi pra que você deixasse?
    Um beijo ia conformar agora.
    Poderia, por uns momentos,
    Deixá-los fora desta história?
    Dez raros minutinhos, sem
    Diatribe e culpa? - Ah, que glória.

    Sim, eu sei que é um homem sensível:
    Um coração magoado, opresso.
    Quero paixão, prazer e farra.
    Você diz, "farra tem seu preço...";
    Então o que a gente faz aqui?
    Havia fins mútuos no começo.

    Você é um bosta em adultério.
    Sugiro: não se dê ao trabalho.
    Só que você, em fidelidade,
    É meio merda, um atrapalho.
    Escolha algo em que seja bom,
    Seu incompetente, seu paspalho.

    *

    ELEGIA PREVENTIVA

    Não haverá um enterro,
    Não haverá um velório.
    Nem cinzas espargidas
    Num lago ou rio afora.
    Nem cremação, caixão,
    Mortalha, roupa preta.
    Nem carro funerário.
    Sua morte não é aceita.

    Não haverá cemitério,
    Nem lápide gravada
    Com uma expressão de afeto.
    Nem pele seca, ossada.
    Nem na cidade aos prantos
    A turba que lamenta.
    Não se herda coisa alguma.
    Sua morte não é aceita.

    Não haverá que fingir
    Que dói um pouco. Nem ter
    Que se indagar acerca de
    Lembrar ou esquecer,
    Qual doeria mais;
    Ou a última coisa feita,
    se houve risos ou briga.
    Sua morte não é aceita.

    Outros, não você, vão
    Morrer. Em quotas (se há
    Tais quotas pra essas coisas)
    Esposas vão chorar;
    Não terei de dizer
    Que te amei, satisfeita
    Com o que eu fui pra você -
    Sua morte não é aceita.

    *

    O FIM DO AMOR

    O fim do amor devia ser um evento.
    Devia envolver salão, cerimonial.
    Por que diabos não? É tão normal.
    Por que passar sem reconhecimento,

    Convites, ternos limpos? Seja qual
    For - desentendimento, quebra-pau -
    O fim do amor devia ser um evento.
    Devia envolver salão, cerimonial.

    Melhor que cair, sem um questionamento,
    Na mudez, se arrastar do que é cabal
    ao escuso, da porta à parede. Um tal

    fato anuncie, gaste nesse momento.
    O fim do amor devia ser um evento.
    Devia envolver salão, cerimonial.

    SOPHIE HANNAH, 44, escritora inglesa de livros infantis, poesia e romances policiais, é autora de, entre outros, "A Vítima Perfeita" (Rocco).

    ALÍPIO CORREIA DE FRANCA NETO, 49, é tradutor, poeta e ensaísta.

    SÉRGIO SISTER, 67, é artista plástico.

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