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    Como se instalar em uma fresta; a expografia da exposição "Casa 7"

    MARTA BOGÉA

    26/07/2015 02h01

    Entre curvas, resultado de círculos perfeitos e outros nem tanto, pilares de formato variável, incluindo um único pilar triangular atípico em todo o conjunto edificado do Copan, piso em rampa e diferentes alturas, encontram-se cinco painéis suspensos com obras dos integrantes da Casa 7: Paulo Monteiro, Nuno Ramos, Rodrigo Andrade, Fabio Miguez e Carlito Carvalhosa. Além dos painéis, um super-8 (direção de Cao Hamburguer, 1984), um vídeo documental (direção de Mariana Lacerda e Pio Figueirôa, 2015) e duas vitrines configuram a exposição (até 29/8).

    A expografia de Rodrigo Cerviño e Fernando Falcon (TACOA Arquitetos) é enxuta e precisa. Instala os vídeos na "sombra" do espaço e libera as obras das paredes através dos painéis, posicionando-os como uma espécie de dança que encaminha o visitante de um para o outro ao criar variadas relações do conjunto.

    Projetados com um detalhamento impecável, os painéis estão estruturados por um quadro metálico recuado e suspensos a 20 cm do chão por um único cabo contínuo, de modo a permitir ajuste de nível. Precisão alinhada com a curadoria de Eduardo Ortega, que apresenta o que há em comum e que nos permite reconhecer a existência da Casa 7 como grupo de jovens artistas que partilhava não só o espaço. A edição apresenta a produção entre 1984 e 1985, época de consagração do Casa 7 e que correspondeu aos dois últimos anos de convivência no mesmo ateliê.

    No Pivô, artistas hoje muito diferentes entre si apresentam-se próximos, num momento de formação, de troca intensa de experiências. Sem identificação gráfica e na persistente repetição percorre-se a mostra como continuidade e contaminação legível também pela expografia –sempre os mesmos painéis, sempre de um lado um esmalte sintético sobre papel craft e de outro um óleo sobre tela.

    Da mostra impecável resta apenas um desalinho: as vitrines instaladas como preâmbulo não seriam mais próximas do vídeo documental instalado no fim da mostra, ou seja, posfácio? Não deveriam as obras serem elas mesmas o abre-alas da exposição? Pequeno desalinho em uma mostra rigorosamente bem delineada.

    Desenhar exposições de certo modo significa se instalar entre duas paisagens, a do sítio que a recebe –arquitetônico ou urbano– e a das obras.

    Cerviño e Falcon são os autores também da "ainda em construção" reforma no Pivô. Iniciada em 2013 e aberta como processo, a reforma teve como principal gesto inaugural demolir, limpar o espaço, retirar todo revestimento que ocultava a irrequieta característica dessa sobra. A área entre o térreo urbano e o segundo pavimento revelou-se um espaço residual sem a placidez equilibrada e sedutoramente habitual do Copan. Espaço bastidor, uma fresta de acomodação destinada a máquinas e áreas técnicas e, na geometria da arquitetura, a realizar o ajuste de nível entre o térreo inclinado e a horizontalidade da área avarandada.

    Os autores se contrapõem ao próprio gesto na reforma, que assume a irregularidade do espaço, e editam na exposição uma montagem precisamente regrada.

    Eles demonstram a maturidade de quem tem atuado com intimidade com o campo da arte contemporânea. É de Cerviño o premiado projeto para a galeria Adriana Varejão em Inhotim e, em parceria com Falcon, a singela e inteligente intervenção na adequação do galpão fabril da galeria Fortes Vilaça na Barra Funda.

    "Casa 7" é a primeira expografia da dupla para o Pivô e inaugura o programa "Fora da Caixa". Com ela, o Pivô mais uma vez honra a vocação de seu nome e se apresenta como um potente articulador instalado na fresta do espaço.

    MARTA BOGÉA, 51, é arquiteta, professora da FAU-USP, e autora das expografias de "Arte/Cidade III" e da 29ª Bienal de Arte de São Paulo.

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