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    Os feitos de Perón e os de Maradona

    MARIANA CARNEIRO

    23/08/2015 02h06

    Há 60 anos, um bombardeio aéreo de tropas argentinas matou 300 pessoas na praça de Maio e destruiu parte da Casa Rosada. O ataque levou à destituição e ao exílio do general Juan Domingo Perón. Começaria aí o mito peronista, que não terminaria nem mesmo com a morte do seu líder, em 1974.

    Seis décadas depois, o peronismo se debate entre kirchneristas e dissidentes em uma eleição disputada, da qual sairá o sucessor da presidente Cristina Kirchner. A divisão dos peronistas e como isso pode afetar o resultado eleitoral é um dos temas da crônica política na Argentina.

    É também assunto nos táxis, nos cafés e nos churrascos, em um país hiperpolitizado às vésperas da eleição, em 25 de outubro.

    "Tudo é movido pela política na Argentina, até recolher o lixo", me disse uma funcionária da prefeitura de Río Gallegos para explicar por que uma simples greve dos servidores havia se transformado em uma crise política na terra natal dos Kirchner.

    Bem atrás da Casa Rosada funciona o Museu do Bicentenário. O propósito é contar 200 anos da história Argentina, desde a independência, em 1810, em 14 capítulos.

    Cinco deles são dedicados a Perón –os momentos anteriores à sua posse, seu governo, o exílio, seu retorno e sua herança. Dá para entender um pouco do peronismo depois de quase uma hora de vídeos, mas não tudo.

    "O peronismo é um ato de fé", disse um peronista, da ala governista, tentando explicar a jornalistas estrangeiros a força que o movimento político ainda exerce sobre os eleitores do país.

    Na pequena lojinha do museu, é possível ver como essa religião política se propaga por meio do marketing.

    Néstor e Cristina estão em broches, bonecos, chaveiros e camisetas. Outros políticos menos conhecidos, mas na corrida eleitoral de 2015, também garantiram sua vaga entre os heróis a serviço de Perón.

    É possível levar a imagem de Axel Kicillof, ministro da Economia, em uma capa de celular, ou uma caneca do chefe de gabinete Aníbal Fernández, acusado de envolvimento no tráfico de efedrina.

    "Me atacam porque não me calo", defende-se na caneca.

    ALPARGATAS

    O casal Kirchner tem um capítulo exclusivo no panteão do Bicentenário. Estão expostas as alpargatas de Néstor, um terno e uma caneta Bic, que ele teria usado para sancionar importantes leis no país.

    Carlos Menem, peronista fora de moda na Argentina de hoje, merece tratamento mais discreto, embora tenha governado o país por uma década.

    Seu capítulo tem o título "O Neoliberalismo", que, segundo o relato do museu, teria começado três décadas antes da posse de Kirchner, em 2003.

    Não é bem assim. O neoliberalismo nasceu em 1989, no Consenso de Washington. Mas é só um fato diante da história.

    MALANDRAGEM

    Foi a "mão de Deus" que fez o gol histórico, atribuído a Diego Maradona, contra a Inglaterra na Copa de 86. O juiz não viu que o camisa 10 marcou com a mão, e a Argentina vingou-se nos gramados do massacre nas ilhas Malvinas.

    O juiz da partida foi o tunisiano Ali Bennaceur, que, aposentado, talvez preferisse se lembrar dos seus acertos. Depois daquele ano, o árbitro não voltou mais a apitar Copas do Mundo.

    No último fim de semana, Maradona visitou seu "amigo eterno", lhe deu de presente uma camisa da seleção argentina e postou uma foto com um retrato da polêmica partida.

    Em uma entrevista a Emir Kusturica, no documentário "Maradona", o craque justificou a licença moral: "Estávamos representando os mortos [nas Malvinas]. Se tirássemos a Inglaterra, era como se ganhássemos a guerra futebolística".

    Mas logo revelou seu verdadeiro sentimento: "Quando festejei aquele gol, era como se tivesse roubado a carteira de um inglês".

    SUCESSO NAS TELAS

    Vem aí um novo sucesso argentino. O filme de Pablo Trapero chama-se "O Clã" e conta a história de uma família abastada que sequestrava vizinhos também endinheirados para lucrar com o resgate. A memória é dolorida para os argentinos que viveram os anos 1980. Os Puccio, uma família acima de qualquer suspeita, mataram três reféns.

    No final de semana de estreia, o filme bateu o recorde de público de "Relatos Selvagens", com mais de 500 mil espectadores.

    3.ago.2015/Efe
    Os atores Peter Lanzani (esq.) e Guillermo Francella (dir.) e o diretor Pablo Trapero (centro) na apresentação do filme "O Clã", em Buenos Aires
    Os atores Peter Lanzani (esq.) e Guillermo Francella (dir.) e o diretor Pablo Trapero (centro) na apresentação do filme "O Clã", em Buenos Aires

    MARIANA CARNEIRO, 36, é correspondente da Folha em Buenos Aires.

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