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    A vida de bailarinos postada nas redes sociais sem filtros

    GIA KOURLAS
    DO "NEW YORK TIMES"

    31/08/2015 17h41

    Reprodução/Instagram
    Autorretrato de Adrian Danchig-Waring
    Autorretrato de Adrian Danchig-Waring

    Unhas dos pés deformadas, transtornos alimentares, ciúmes e traições –tudo isso faz parte de um olhar rápido sobre os estereótipos do balé. Mas, com o Instagram, dançarinos encontram uma maneira de romper os grilhões das tiaras e do tule, mostrando a vida nos camarins como eles próprios a enxergam.

    Devin Alberda, membro do New York City Ballet que é admirado pelo modo como capta os momentos não posados do balé, sabe que há muito a ser apreendido a partir do que acontece fora do palco. Em sua série de cenas nos bastidores postada no Instagram "If You Can See Them, They Can See You" [@dalberda] (se consegue vê-los, eles conseguem te ver), ele amplia a linha de visão do público. Como explicou recentemente, "procuro ampliar a abertura e deixar que entre um pouco mais de luz". O balé é, de muitas maneiras, uma forma de arte sobre-humana, mas é importante lembrar que os bailarinos continuam a ser humanos. Alberda, por exemplo, disse que quer mostrar que eles são mais que apenas "falsos deuses e deusas", mas que tampouco chegam ao extremo oposto: "O garoto da casa ao lado que por acaso faz alguma coisa realmente interessante, mas não se preocupe, na realidade ele é igualzinho a você".

    O Instagram pode, é claro, ser um meio para a autopromoção, mas é também um meio de focar sobre conteúdos originais. Talvez não seja surpreendente que dançarinos, não acostumados a falar com seus corpos, também sejam capazes de falar com uma lente fotográfica. Quem melhor que um dançarino para dizer alguma coisa sem palavras, mostrando-a?

    Entre os bailarinos que se destacam nesse quesito estão Alberda e Craig Hall, outro membro do City Ballet cuja fotografia tornou-se um projeto de arte contínuo. Maria Kochetkova, do San Francisco Ballet e agora do American Ballet Theater, posta as fotos de praxe de bailarina e de férias, mas também revela seu gosto pela moda de vanguarda e por óculos de tamanho grande. Outras, como Sara Mearns e Lauren Lovette, do City Ballet, tratam o Instagram como um diário. Há algumas semanas Lovette postou uma imagem dela própria num leito hospitalar, antes de passar por uma cirurgia. "Muitas bailarinas fazem cirurgia para tirar um osso extra. Por que não mostrar a elas que não é o fim do mundo?", disse Lovette em entrevista recente. "Gosto de ser direta com as pessoas. Gosto disso sobre o palco também."

    Reprodução/Instagram
     Lauren Lovette antes de cirurgia
    Lauren Lovette antes de cirurgia

    Até agora a melhor foto do verão foi feita por Daniil Simkin, do Ballet Theater. Ele clicou Stella Abrera quando soube que tinha sido promovida para bailarina principal. Sentada no chão de calça e blusa de agasalho e sapatilhas, ela cruza as mãos sobre o peito e fecha os olhos com força –descrença e alegria juntos em um só gesto. Mais recentemente, Adrian Danchig-Waring, do City Ballet, vem fazendo experimentos com um aplicativo de dupla exposição para criar colagens. E os retratos feitos por Sean Suozzi de seus colegas bailarinos no City Ballet antes ou depois de dançar possuem uma franqueza surpreendente: embora pareçam diretos, quase impassíveis, percebem-se vulnerabilidade, alívio e euforia em seus rostos.

    Reprodução/Instagram
    Daniil Simkin fotografa Stella Abrera depois de sua promoção
    Daniil Simkin fotografa Stella Abrera depois de sua promoção

    Como é o caso de tudo nas mídias sociais, as instituições podem demorar a definir o que é aceitável. Além disso, adotam abordagens diferentes. O City Ballet incentivou o uso do Instagram. O San Francisco Ballet está reformulando sua política em relação às mídias sociais, mas convida seus bailarinos a terem uma presença nesse mundo. Pede-se que respeitem a propriedade artística e que não divulguem informações sobre casting, promoções e programação. O Pacific Northwest Ballet incentiva seus bailarinos a usar as mídias sociais e opera a partir da ideia da confiança; os problemas são resolvidos caso a caso. E, no Miami City Ballet, os bailarinos não são autorizados a fazer fotos sem o consentimento da companhia (mas a equipe do departamento de marketing responsável por mídias sociais chama os bailarinos para fazer fotos, blog posts e vídeos).

    Houve uma dose de drama neste verão americano no Centro Saratoga de Artes Cênicas, no Estado de Nova York, quando os bailarinos do New York City Ballet que usam smartphone receberam um e-mail lembrando-os de um acordo fechado em 2012 entre seu sindicato, o American Guild of Musical Artists, e a companhia, relativo a fotografia e mídias sociais. A companhia afirmou que os bailarinos não poderão postar imagens ou vídeos que mostrem coreografias sendo apresentadas, nem tampouco dos ensaios gerais, incluindo cenários, figurinos e iluminação.

    Alberda parou de repente de postar imagens, embora tenha retomado a atividade desde então, e disse que quer continuar quando a companhia começar a ensaiar, no final de agosto. Em resposta ao que supôs ser censura, Ashley Boulder começou a postar fotos de Enid, sua cadelinha da raça Boston terrier.

    Rob Daniels, porta-voz do City Ballet, disse em e-mail reconhecer que alguns dos bailarinos pensavam que a política tinha mudado, mas que "em momento algum foi dito aos dançarinos do New York City Ballet que eles não poderão mais postar imagens no Instagram, e se qualquer bailarino decidiu não postar imagens de Saratoga permitidas pela política, foi por decisão própria".

    No momento, fazer fotos sobre o palco antes ou depois de uma apresentação é permitido até a iluminação de palco ser ligada. Durante as apresentações, é permitido fazer fotos nos bastidores, mas não fotos do palco.

    Antes da temporada de outono, o sindicato americano de artistas musicais vai discutir com o City Ballet se devem ser feitas modificações ao acordo da companhia, e quais. Neste outono o City Ballet pretende lançar sua própria plataforma no Instagram. O Ballet Theater não tem qualquer política formal em relação às mídias sociais, mas há uma conta geral do Instagram no qual os bailarinos podem postar imagens, sem supervisão.

    Além das imagens de dança, o Instagram traz informações. Ouvir que Sara Mearns sofreu mal agudo de montanha no Colorado e mais tarde cancelou duas apresentações em Nova York é uma coisa, mas é outra inteiramente ver uma imagem dela, evidentemente doente, no Centro Médico Vail Valley. Outras novidades foram transmitidas pelo Instagram: a gravidez de Maria Kowroski e a notícia dada por Marcelo Gomes de que vai dançar em "The Car Man", de Matthew Bourne. Mas o que é mais instigante é enxergar o mundo através do olhar de um bailarino.

    Janie Taylor, aposentada do City Ballet e hoje assistente do maitre-de-ballet e figurinista, é capaz de fazer pilhas de livros parecer obras de arte. Craig Hall também se afastou das imagens de bailarinos –embora seus retratos comoventes, incluindo um de Janie Taylor, mostrem que ele tem um olhar sensível para rostos sem maquiagem– em sua série "Take the F Train" (pegue o trem F). Nesta, ele fotografa desconhecidos no metrô, em imagens em preto e branco. "Me sinto uma pessoa de sorte por ter outro modo de expressão que não é tão físico quanto o balé", ele disse. "Tenho a chance de apresentar alguma coisa e deixar que as pessoas a enxerguem através do meu olhar. Acho que todas minhas fotos contam uma história."

    Sua atenção é voltada principalmente a pessoas mais velhas e crianças; para ele, o metrô é outro palco. "Comecei fazendo fotos de pessoas que estavam se apresentando e depois pensei 'não, quero ver os bailarinos silenciosos'", ele comentou. "Quero ver a interação entre uma mãe e seu filho ou ver uma pessoa que está simplesmente olhando para longe. É como se eu pudesse penetrar em uma área privada –a alma da pessoa– por uma fração de segundo, e só preciso disso."

    Alberda revela um misto de vulnerabilidade e vitalidade em fotos de seus sujeitos favoritos, como Meaghan Dutton O'Hara ("ela tem os olhos mais magníficos nos quais uma pessoa pode se perder"). O'Hara e Rebecca Krohn fazem parte do que Alberda descreve como sua tribo de Shelley Duval. Alberda tem musas; recentemente, criou uma galeria de imagens para o Look3 Festival of the Photograph, expondo sua estética. Danchig-Waring disse que imagens como essas o ensinaram a enxergar sua companhia com outros olhos e a ter mais consciência dos "momentos explosivos de interações que acontecem o dia todo".

    Segundo Alberda, ele entende que há uma atração gravitacional em direção a um palco iluminado, mas que isso não o interessa. "A pessoa precisa investir seu ser por inteiro para dançar nesse nível, e é realmente interessante ver os momentos silenciosos, como quando a pessoa está colocando seu enfeite de cabeça", explicou. "Ela está se preparando para mostrar-se para um público grande, e você vê o momento quando está sem a máscara, quando está arrumando fitas, ajeitando o cabelo ou a roupa. Quando falamos disso, parece tolice, mas visto em uma foto pode ser realmente revelador."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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