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    Coletivo americano aponta as lentes para a desigualdade entre os sexos

    JOHN ANDERSON
    DO "NEW YORK TIMES"

    14/09/2015 13h20

    A atitude pré-histórica de Hollywood quanto às mulheres cineastas, disse a diretora Leah Meyerhoff, é exemplificada pelo recente "Jurassic World".

    "O sujeito tinha dirigido um longa com orçamento de meio milhão de dólares", ela disse sobre Colin Trevorrow e "Sem Segurança Nenhuma" (2012). "E Steven Spielberg disse que decidiu apostar nele porque Trevorrow o lembrava dele mesmo quando era moço".

    Se esse é o DNA do processo decisório, ela questiona, será que a indústria do cinema pode evoluir?

    Meyerhoff desistiu de ficar esperando para descobrir, dois anos atrás. Foi quando ela fundou o coletivo Films Fatales de mulheres cineastas, que nasceu em um jantar em Brooklyn e hoje tem filiais em 20 cidades, entre as quais Los Angeles, Austin, Nova Orleans, Toronto, Sydney e São Paulo. "Os desafios são assustadores, as estatísticas são deprimentes", ela disse, "mas em vez de ficar sentada reclamando, a ideia por trás do Films Fatales é que podemos mudar as coisas. E acho que para conseguirmos progresso real teremos de adotar essa abordagem de base, de começar de baixo, além da abordagem de trabalhar de cima para baixo".

    O cinema dos Estados Unidos é vítima de um desequilíbrio epidêmico entre os sexos, de acordo com um recente relatório da Escola Annenberg de Comunicações e Jornalismo, Universidade do Sul da Califórnia. Em maio, a American Civil Liberties Union, uma organização norte-americana de defesa dos direitos civis, solicitou que agências estaduais e federais dos Estados Unidos investigassem "a gritante e extrema desigualdade entre os sexos" em um setor no qual apenas 7% dos 250 filmes de maior faturamento em 2014, e 14% dos programas de TV, foram dirigidos por mulheres.

    Mas como reconheceu Meyerhoff em uma entrevista em Brooklyn, é difícil resolver um problema de raízes tão profundas. "Não é como se houvesse um produtor ou estúdio que diga que não quer mulheres fazendo filmes", ela afirma. "É só uma discriminação ampla e institucionalizada entre os sexos".

    Por isso, o Films Fatales vem adotando uma abordagem pró-ativa, por meio de compartilhamento de recursos, programas de orientação, contratações mútuas e, especialmente, esforços para conquistar influência nos festivais de cinema, nos quais a obtenção de prêmios pode criar reputações e levar a futuras contratações, o que talvez um dia destrua a percepção de que filmes são coisa de menino.

    "Não estamos dirigindo programações, diretamente", diz Eleanor Wilson, coordenadora de programação do coletivo, "mas expandindo o conjunto de filmes disponíveis para festivais. Às vezes eles nos procuram, mas em outros casos nós fazemos contatos não solicitados e informamos que temos muitos filmes, alguns dos quais exibidos no SXSW ou no Sundance, e outros disponíveis para estreia mundial. Oferecemos mesas redondas e oficinas. Os festivais realmente buscam diversidade".

    Mas nem sempre conseguem encontrá-la.

    "Só podemos exibir o que as pessoas produzem", diz Jane Schoettle, programadora sênior do Festival Internacional de Cinema de Toronto, cuja edição deste ano se esforçou para ser ainda mais inclusiva. Cinema, ela diz "é primordialmente questão de oportunidade, e se as oportunidades são restritas por aqueles que não darão a você a atenção que preferirão dar a pessoas mais parecidas com eles, você enfrenta problemas".

    Cameron Bailey, o diretor artístico do festival de Toronto, concorda, apontando que existem amplas indicações de que "mesmo quando pessoas diferentes estão encarregadas de aprovar as decisões, não significa que os filmes que vemos mudarão".

    A mentalidade de Hollywood, diz Meyerhoff, "não vai mudar já, e por isso o Films Fatales é uma maneira colaborativa e não competitiva de estimularmos umas às outras –o sucesso de uma de nós é o sucesso de todas nós". Cerca de 65 curtas e 35 longas em exibição no circuito de festivais estão no banco de dados que o grupo oferece aos organizadores de festivais, disse Wilson, cujo novo curta, "Everything All at Once" está em exibição na TV Sundance este mês. "I Believe in Unicorns", o primeiro longa de Meyerhoff, estreou em maio.

    Ainda que seja presença constante em grandes festivais norte-americanos como o SXSW, Sundance e Tribeca, o Films Fatales conquistou mais avanços em festivais regionais como o de Sarasota, Flórida, o Rhode Island Film Forum, em Providence, e o Woodstock Film Festival, Nova York.

    "No ano passado, tivemos sete mulheres dirigindo longas narrativos, um recorde, e isso se deve em parte ao Films Fatales", disse Meira Blaustein, diretora executiva do festival de Woodstock.

    As integrantes do coletivo variam de iniciantes a cineastas estabelecidas como Debra Granik ("Winter's Bone"), a produtora e diretora Jill Soloway ("Transparent") e Mary Harron ("American Psycho"). "Quando você ouve incontáveis vezes que outras mulheres encontraram os mesmos obstáculos, sabe que não é só com você", disse Harron, em Nova York. "As cineastas mulheres enfrentam uma espécie de teia invisível de preconceito e falsas suposições sobre o que elas são e não capazes de fazer, e falar sobre essas experiências ajuda".

    Li Lu, uma integrante mais jovem do coletivo, concorda. "Quando você ouve que alguém passou pela mesma coisa que você, se sente apoiada", ela disse. "Mas não é só papo positivo, e sim descobrir como a pessoa resolveu o problema. Eu gostaria de ter tido contado com o Films Fatales enquanto estava rodando o filme, mas antes tarde do que nunca".

    Falei com Lu ao telefone quando ela estava viajando para o Festival de Cinema de Las Vegas, onde exibiria seu longa "There Is a New World Somewhere". Em seguida, o filme será exibido no Boonies International Film Festival, na Pensilvânia. O Boonies é grande incentivador do Films Fatales.

    "Elas são ótimas colaboradoras, e quero apoiar o que fazem", disse Jeff Clark, o fundador do festival. "Lamento que não estejam em pé de igualdade com os colegas homens, mas em termos de qualidade isso não é fato. E além disso, tenho mulheres na minha vida. E no conselho do festival. E mulheres cineastas no festival. Minha mãe era mulher".

    Também é um mito, diz Meyerhoff, que para fazer sucesso um filme precisa atrair meninos adolescentes. Mesmo que fosse verdade, ela diz, "só porque um filme coloca mulheres como personagens na tela isso não é motivo para não fazê-lo. Se os filmes foram promovidos e comercializados corretamente, encontrarão sua audiência. Mas a verdade é que acho que os homens desejam ver filmes com mulheres na história tanto quanto as mulheres desejam".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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