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    A ciência por trás da vacinação é indiscutível

    AARON E. CARROLL
    DO "NEW YORK TIMES"

    30/09/2015 13h58

    Sempre que me sento para assistir a um debate presidencial, tenho uma esperança sincera: de que o tema das vacinas não seja citado. Além de não existir "discussão" nenhuma a ser travada sobre a verdade científica de como funcionam as vacinas ou como elas podem fazer mal, o simples fato de se falar publicamente sobre a negação das vacinas muitas vezes leva pessoas a endurecer suas posições.

    Mas minha esperança caiu por terra quando o debate da noite de 16 de setembro estava chegando ao fim. Perguntas sobre vacinas e autismo foram feitas não apenas a Donald Trump, mas também aos dois médicos participantes do debate: o neurocirurgião Ben Carson e o oftalmologista Rand Paul. Pelo menos os médicos deveriam saber a verdade.

    Arif Ali - 15.set.2015/AFP
    Crianças são vacinadas contra a polio em Lahore, no Paquistão
    Crianças são vacinadas contra a polio em Lahore, no Paquistão

    Seguem os fatos:

    Não há ligação entre vacinas e autismo.

    O número de vacinas dadas às crianças hoje não é mais preocupante do que era no passado.

    Adiar a vacinação das crianças não traz benefício algum e as expõe a riscos.

    Todas as vacinas infantis são importantes.

    Simplesmente não existem evidências científicas que vinculem as vacinas ao autismo. Muitos, muitos estudos já confirmaram o fato. A mais recente revisão sistemática feita pela Colaboração Cochrane das pesquisas sobre a vacina Tríplice Viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) incluiu seis estudos de caso autocontrolados, dois estudos ecológicos, uma prova de entrecruzamento de casos, cinco provas de tempo em série, 17 estudos de caso controlados, 27 estudos de coorte e cinco ensaios controlados randomizados. Mais de 15 milhões de crianças participaram do estudo. Ninguém conseguiu encontrar qualquer evidência de que as vacinas tenham ligação com o autismo.

    Esse tema rende mais evidências que qualquer outro sobre o qual já escrevi em "The Upshot", no site do "New York Times". E esse é um dos tópicos mais estudados da história.

    Mesmo assim, algumas pessoas não param de pedir mais pesquisas. Não importa o fato de que mesmo um vínculo estatisticamente significativo que porventura fosse encontrado agora quase certamente seria um falso positivo, em vista dos milhões de crianças já estudadas. Este ano foi publicado no "Journal of the American Medical Association" um estudo que analisou uma coorte de cerca de 100 mil crianças. Todas foram acompanhadas do nascimento até os 5 anos de idade. Os pesquisadores examinaram novamente se a vacina Tríplice Viral tem alguma associação com o autismo. Não encontraram nenhuma. Nem mesmo em crianças que têm irmãos autistas –e que, portanto, teriam risco mais alto de apresentar autismo– foi encontrado qualquer vínculo.

    Na realidade, um dos poucos "estudos" a encontrar uma ligação ainda é o estudo original publicado na "Lancet" por Wakefield et al. O estudo foi uma série de casos glorificada que analisou um punhado de crianças com autismo. Não havia estatísticas que comprovassem qualquer ligação. Foi repudiado posteriormente por quase todos os outros autores e retratado pela revista em 2004. Em 2011, Brian Deer escreveu um artigo contundente mostrando como todos os dados desse estudo tinham sido falsificados de alguma maneira. Os editores do periódico médico "BMJ" qualificaram de "fraude" o estudo de Wakefield que vincula vacinas com autismo.

    São essas as evidências que ligam o autismo a vacinas.

    Tampouco é correto descrever o autismo como uma "epidemia", como Trump parece fazer com frequência. O autismo é diagnosticado com mais frequência hoje que no passado. Mas boa parte desse aumento nos últimos anos se deve ao fato de termos mudado a definição de "desordens do espectro autista" (DEA). Dez anos atrás, por exemplo, dois terços das crianças que recebiam o diagnóstico de autismo apresentavam inteligência abaixo da média. Hoje, porém, esse é o caso de apenas um terço das crianças que recebem esse diagnóstico. Entre as crianças com autismo, o grupo em mais rápido crescimento é o das crianças com inteligência mediana ou acima da média. Estamos sendo mais inclusivos no diagnóstico.

    Não quero de maneira alguma minimizar a importância dos desafios enfrentados por quem tem autismo nem negar a prevalência da desordem. Espero que minha coluna recente em que discuti se devemos ou não fazer exames universais para detectar o autismo em crianças pequenas convença o leitor que eu levo a DEA a sério. Mas assustar as pessoas, afirmando que o autismo está se alastrando como uma doença, causa preocupação desnecessária.

    Apesar de ter observado que não existem provas que vinculam as vacinas ao autismo, Ben Carson disse que muitos pediatras admitem que "provavelmente estamos aplicando muitas vacinas demais num período de tempo curto demais". Não tenho conhecimento de dados quaisquer que fundamentem essa afirmação. Os pediatras, em sua maioria avassaladora, são a favor das vacinas e do cronograma atual de vacinação.

    As vacinas não impõem tanta pressão assim ao corpo humano. As crianças são continuamente expostas a substâncias estranhas que ativam seu sistema imunológico. Em um manuscrito publicado pela "Pediatrics" em 2002, Paul Offit e colegas estimaram que as crianças na primeira infância seriam capazes de reagir a cerca de 10 mil vacinas em qualquer momento dado. As vacinas que aplicamos jamais conseguiriam "consumir" o sistema imunológico. Acredita-se que, se 11 vacinas fossem aplicadas ao mesmo tempo, elas exigiriam a atenção de cerca de 0,1% do sistema imunológico.

    Além disso, não é com o número de injeções ou mesmo o número de vacinas que deveríamos nos preocupar. Deveríamos prestar atenção ao número de antígenos nas vacinas. Os antígenos são as moléculas que deflagram a ação do sistema imunológico. As vacinas são feitas para "enganar" o sistema imunológico, levando-o a desenvolver armas contra certos antígenos que são semelhantes à doença, antes de terem que enfrentar a própria doença.

    Ao longo do tempo os cientistas conseguiram purificar as vacinas, reduzindo o número de antígenos que contêm, sem deixar de proporcionar imunidade. As vacinas atuais obtêm os mesmos resultados, exigindo menos do sistema imunológico. Uma única vacina contra a varíola continha mais de 200 proteínas antigênicas distintas. Hoje o número de antígenos contidos em todas as vacinas dadas às crianças até os 2 anos de idade não chega a 315. Enquanto isso, pensa-se que as crianças provavelmente combatem entre 2.000 e 6.000 antígenos a cada dia, vindos do ambiente.

    Sim, estamos dando mais injeções, mas o sistema imunológico da criança precisa fazer muito menos que no passado para reagir a elas.

    O espaçamento maior entre vacinas não traz benefícios e deixa as crianças vulneráveis a doenças por mais tempo. Além disso, torna necessárias mais idas ao médico, cada uma das quais encerra chances de a criança ser exposta a outras crianças doentes. Além disso, estudos revelam que o espaçamento das vacinas reduz a probabilidade de as crianças concluírem o programa completo de imunização.

    Para concluir, Ben Carson indicou que algumas vacinas salvam vidas e outras podem ser mais "opcionais". Todas as vacinas recomendadas pelos Centros de Controle de Doenças foram avaliadas como importantes. Sei de algumas pessoas que consideram a vacina contra a varicela, ou catapora, uma das "menos importantes". Diga isso a meu pai, que contraiu a doença como adulto, quando meus irmãos e eu a tivemos, e quase teve que ser hospitalizado. Ou aos muitos bebês que podem contrair a doença antes de ser vacinados e correr o risco de adoecer gravemente.

    Em um de meus estudos favoritos sobre esse tópico, pesquisadores examinaram quantas crianças morreram de varicela antes e depois da introdução da vacina, em 1995. Entre 1990 e 1994, mais de 45 crianças morreram tendo a varicela como causa subjacente. Entre 2003 e 2007, morreram apenas dez. Fato ainda mais significativo é que no segundo período morreu apenas uma criança de menos de 1 ano tendo a varicela como causa subjacente, e, depois de 2004, nenhuma. Esse resultado decorreu apenas da imunidade coletiva –o que acontece quando o número de pessoas vacinadas é suficiente para proteger aquelas que não podem ser vacinadas.

    Todas as vacinas salvam vidas.

    Seria melhor para nossa política de vacinação que este tema nem sequer fosse um tópico de discussão –com certeza não entre pessoas que não estejam muito bem informadas sobre a ciência das vacinas.

    Discutir qualquer desses fatos não faz bem a ninguém.

    AARON E. CARROLL é professor de pediatria na Escola de Medicina da Universidade do Indiana. Ele escreve um blog sobre pesquisas e política de saúde no "The Incidental Economist". Siga-o no Twitter: @aaronecarroll.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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