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    Como a bancada evangélica se posiciona na economia e nos costumes

    MAURO PAULINO
    REGINALDO PRANDI

    15/11/2015 02h03

    RESUMO Com base em dados apurados pelo Datafolha, os autores procuram situar as posições de políticos evangélicos em relação às dos parlamentares e dos eleitores. Tais posições variam a depender do tema e é nas questões ligadas à sexualidade que o conservadorismo da bancada evangélica aparece com mais ênfase.

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    A eleição da Assembleia Constituinte, em 1986, marcou o ingresso dos evangélicos na política partidária brasileira. Entraram na disputa eleitoral temerosos de que a Constituição devolvesse à Igreja Católica antigos e exclusivos privilégios. Temiam também que a nova carta incluísse a defesa dos homossexuais, dos comunistas, das feministas, da liberalização do aborto, do uso de drogas, e de outros temas contrários à moral pregada por suas igrejas.

    De lá para cá, essa participação só fez crescer. Para a atual legislatura, os evangélicos elegeram 75 deputados federais e três senadores. Reunidos na chamada bancada evangélica, costumam votar coesos desde o início.

    Força crescente na política nacional, a bancada evangélica leva adiante suas bandeiras moralizantes, procurando influir nas votações no Congresso e assumindo cargos decisivos no Legislativo e no Executivo. Mas também tem que lidar com projetos de leis que regulam a economia e outros campos da vida do país, sobre os quais os diferentes partidos a que seus membros estão filiados certamente têm mais a dizer que suas igrejas.

    A Folha, em texto publicado em 13/10/2015, baseado em pesquisa do Datafolha que ouviu 289 deputados e 51 senadores, e uma amostra nacional de 10.059 eleitores, mostrou que os parlamentares, tomados em conjunto, são menos conservadores que a população que representam quando se trata de temas comportamentais, como homossexualidade e migração.

    Isso significa que leis que legitimem novos costumes e mudanças comportamentais em curso no mundo moderno podem ser aprovadas no Congresso e derrotadas num plebiscito. Não deixa de ser verdade também que o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado ainda mais à frente em termos de liberalização dos costumes, deixando para trás o Congresso e ainda mais distante a população.

    Em temas ligados à regulação da economia, a coisa se inverte. A população concorda mais com posições usualmente defendidas pela tradição das esquerdas do que os parlamentares.

    Incluindo agora na comparação a bancada evangélica, pode-se ter uma boa ideia do significado político desse grupo religioso, que tem assustado políticos e analistas.

    A bancada evangélica e os congressistas endossam menos que o eleitorado as ideias segundo as quais a pobreza tem como causa a preguiça, os migrantes são responsáveis por problemas sociais, a maldade da pessoa explica o crime, e acreditar em Deus torna as pessoas melhores. O eleitorado é igualmente campeão na defesa da pena de morte como punição ideal, assumindo também que adolescentes criminosos devam ser punidos como adultos.

    Lado a lado

    No campo da sexualidade, porém, a bancada evangélica realmente se destaca como fração contrária à modernização dos costumes: seu apoio à ideia de que a homossexualidade deva ser desencorajada por toda a sociedade é marcada pela taxa de 46%, bem atrás dos 27% observados para o eleitorado e muito distante dos 14% do conjunto do Congresso. Sem dúvida, parece ser essa a coroa que encima seu brasão moral, entre outras notórias rejeições antimodernas de caráter moralista. Mesmo com assento na mais importante assembleia do país, a maioria dos representantes evangélicos mantém seu foco nos costumes que a sociedade, cada vez mais, transforma em marcas do passado. Em outras pautas, parece aprender com a Casa e seus partidos.

    ECONOMIA

    No campo da economia, os deputados e senadores, bem como a bancada evangélica, se alinham mais a posições tradicionalmente identificadas como de direita, ou mais próprias do liberalismo econômico, ao contrário do pensamento do eleitorado. Congressistas, evangélicos ou não, rejeitam mais que os eleitores a intervenção do Estado nas empresas, apostam menos nos programas sociais para melhorar a vida da população e defendem mais a ideia de que cabe às empresas privadas conduzir o crescimento econômico.

    Quando se trata de posição mais afinada com o pensamento de direita ou com certo liberalismo econômico, mesmo se pondo mais perto do Congresso e mais longe do povo, a bancada evangélica tende a se mostrar algo mais radical que os parlamentares em seu conjunto, como é próprio das minorias, sobretudo as religiosas.

    Reunidas as questões apresentadas em um índice que situa os grupos pesquisados num gradiente esquerda-direita, constatou-se que a bancada evangélica se posiciona bem mais à direita (64%) que o Congresso como um todo (47%) e a população de eleitores (45%). Mas a coisa muda de figura quando separamos os temas comportamentais dos econômicos.

    No que diz respeito ao comportamento, a bancada evangélica se mostra à direita (com 42%), perto do eleitorado (55%), e em largo contraste com o Congresso, com seus 17% de escolhas. Quanto à economia, a bancada evangélica, com 43% dos casos dados às alternativas de direita, se aproxima do Congresso, que marca essa posição com 46% e se afasta do povo, que prefere este lado em 30% dos casos.

    TROCAS

    Ao passar do comportamento para a economia, o povo muda da direita para a esquerda, o Congresso se desloca da esquerda para a direita, e a bancada evangélica se mantém na mesma posição de direita, embora menos extremista.

    A bancada evangélica, senta-se à direita com o povo brasileiro quando o assunto é comportamento, e se senta também à direita, mas agora na companhia dos seus pares no Congresso, quando preferencialmente se trata de assuntos econômicos. Muda de parceiros conforme olha ou para o indivíduo e sua intimidade ou para o Estado e seus problemas econômicos. Mas não muda de gosto, nem de lado.

    MAURO PAULINO, sociólogo, é diretor-geral do Datafolha.

    REGINALDO PRANDI é professor sênior do departamento de sociologia da USP, pesquisador do CNPq e autor do método Datafolha de pesquisa.

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