• Ilustríssima

    Monday, 20-May-2024 16:31:05 -03

    crítica

    Dramas pendentes e hipnóticos de Calder fazem exposição feliz

    JACKIE WULLSCHLAGER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    24/11/2015 16h43

    No Reino Unido, não deve haver exposição mais feliz do que "Alexander Calder: Performing Sculpture", na galeria Tate Modern. Os dramas pendentes e hipnóticos do artista, feitos de metal recortado e arames retorcidos, voam e mergulham, flutuam e deslumbram, com uma alegria e leveza de espírito magnificamente compactadas em formas simples e cores primárias.

    A galeria central, a um só tempo energética e contemplativa, abriga mais de uma dúzia de voos de movimento imprevisível, desprovido de peso. Uma cascata de discos brancos, "Snow Flurry", foi inspirada por uma tempestade de neve. Os círculos vermelhos, dourados e pretos que giram em "Gamma" evocam corpos celestiais. "Bleriot" é um avião rudimentar que flutua na brisa. Folhas de metal pintadas de negro pendem de galhos de arame por sobre o observador, em "Vertical Foliage" e "Antennae with Red and Blue Dots".

    "A arte de Calder é a sublimação de uma árvore ao vento", disse Marcel Duchamp, que também cunhou o termo "móbile" para descrever as formas suspensas movidas pelos fluxos de ar com as quais o artista norte-americano revolucionou a escultura do final dos anos 30 ao final dos anos 60.

    Diretas e fortes mas também delicadas e etéreas, as invenções de Carter são as mais imediatamente acessíveis de todo o modernismo. Não conheço qualquer pessoa que não goste delas. Sua complexidade técnica - um elegante sistema de pesos e contrapesos - é mascarada por uma expressividade direta que delicia e surpreende. Um bonde é decomposto lentamente em uma sequência de formas biomórficas em "Streetcar". Esferas se movimentam como planetas ao longo de cabos curvos em "A Universe", visão abstrata do cosmos que reteve a atenção de Albert Einstein por todos os 40 minutos de seu ciclo de movimento, quando a peça foi exibida no Museu de Arte Moderna de Nova York pela primeira vez, em 1943.

    Nascido na Pensilvânia, em uma família de escultores e engenheiros, Calder iniciou sua carreira como projetista de brinquedos, em Paris nos anos 20. É uma ironia que as obras em larga escala de sua maturidade tenham dado origem a um onipresente boom de móbiles para decoração infantil. Assim, para um espectador moderno, se torna difícil imaginar o quanto Calder parecia radical nos anos 40: o uso audacioso de materiais industriais, a oscilação entre abstração e formas referenciadas pela natureza, ou a vida urbana, ou aventuras espaciais, o abandono com o qual ele dispensa o controle formal sobre uma obra e permite que ela "apanhe qualquer que seja o vento que venha a surgir", como Calder mesmo disso.

    "Um destino geral de movimento é rascunhado para elas, e depois elas são deixadas sozinhas para decidir por si mesmas", escreveu Jean-Paul Sartre em 1946, cooptando Calder como existencialista. "Calder nada sugere. Captura movimentos verdadeiros e vivos e faz deles alguma coisa. Seus móbiles nada significam, a nada se referem a não ser a si mesmos. Eles simplesmente são: são absolutos".

    Em 1948, Sartre definiu a arte de [Alberto] Giacometti, igualmente, como "uma busca do absoluto". Os dois gigantes da escultura do século 20 compartilham de elementos chave: formas esguias, fluidas, uma preocupação com o movimento e, por implicação, com o provisório e incerto - mas enquanto Giacometti fala da angústia e desolação da Europa do pós-guerra, Calder é a voz americana das possibilidades loucas, infinitas.

    Nas múltiplas salas que servem de preâmbulo ao grande acervo de móbiles, a Tate acompanha os passos pelos quais o jovem norte-americano que em 1926 encantou Paris com seu "Circus Calder" - miniaturas feitas de tecido, cortiça, botões - se tornou nos anos 40 um inovador digno de comparação com seus amigos Joan Miró e Piet Mondrian. Os "desenhos" iniciais, em arames, de acrobatas, dançarinos, cavalos galopando, já mostram um interesse em transparência e engenhosidade técnica, bem como a duradoura fascinação de Calder com o circo, não pela "ousadia dos artistas e nem pelos truques e engenhocas, mas pelo fantástico equilíbrio em movimento exibido por eles".

    Peças feitas de arame e movidas por mecanismos de corda, como "Goldfish Bowl" (1929) - infelizmente, como muitas das obras expostas na mostra, em condição frágil demais para que o mecanismo seja acionado e o peixe nade e salte - são testemunhos da obsessão com o movimento que Calder levava com ele em sua primeira visita ao estúdio de Mondrian em 1930. A abstração geométrica de Mondrian foi uma revelação, mas na interpretação de Calder as formas retangulares podiam "constipar o movimento".

    Elas o levaram a questionar "por que a arte deve ser estática? Seria tão bom que tudo pudesse se mover... o próximo passo na escultura é o movimento". Ele começou a experimentar com construções de madeira e arame, abstratas, pintadas e dotadas de motores - "Machine Motorisée", "Black Frame" -, incorporando os processos mecânicos que as pinturas cubistas e futuristas deixavam implícitos.

    Em seguida, em 1936, veio um conjunto de obras nas quais madeira laminada pintada nas cores primárias de Mondrian servia como fundo a formas curvilíneas cortadas em metal: pintura abstrata em forma cinética e tridimensional.

    As peças presentes na mostra - "Red Panel", "Form Against Yellow", "Blue Panel" - foram raramente vistas em público, e jamais juntas. Constituem um marco no desenvolvimento de Calder - ainda que pareçam muito pesadas, laboriosas, em contraste com as formas livres e flutuantes dos móbiles que em breve se seguiriam.

    Eles devem muito às formas biomórficas de Miró, e assumem a estrutura composicional geral de um "sistema do universo", como explicou Calder, pois "a ideia de corpos destacados flutuando no espaço, com diferentes tamanhos e densidades, alguns em repouso, outros se movimentando de maneiras peculiares, me parece a fonte ideal de formas".

    Diversos de seus primeiros móbiles, sem títulos, brincando com os arranjos de globos e sóis, crescentes e estrelas, em tons brilhantes e foscos, bem como as construções estáveis "Morning Star", "Constellation", "Constellation with Two Pins", trazem um brilho que Calder recordava como sua "epifania cósmica": uma viagem marítima na qual, ao largo da costa da Guatemala, ele viu "o início de uma feroz aurora vermelha, de um lado, e a lua como uma moeda de prata do outro".

    A confiança e a liberdade dos Estados Unidos (tanto em termos espaciais quanto com relação aos grilhões da tradição) foram combinadas com a influência da École de Paris sobre Calder a fim de criar uma nova abordagem para a escultura, baseada menos em massa e volume e mais em luz e abertura, espaço e elementos aleatórios, performáticos. "Red Gongs", de alumínio pintado e latão reluzente, instalada na mostra sobre um duto de ventilação, se movimenta maravilhosamente, lançando imagens de sombras sempre mutáveis sobre as paredes brancas. Uma das principais peças obtidas por empréstimo, "Black Widow", um móbile de 3,5 metros cedido pelo Instituto de Arquitetos de São Paulo, saiu do Brasil pela primeira vez, e tem uma porção superior formada por asas de um preto profundo, para mim mais parecidas com um exótico pássaro em voo do que com uma aranha. Perfurações circulares canalizam a luz e uma cauda oscilante e brincalhona oferece um movimento mais delicado que contrabalança o impacto intimidador da peça.

    "Para a maioria das pessoas que contemplam um móbile", disse Calder, "ele não é mais que uma série de objetos planos que se movimentam. Mas para algumas, ele pode ser poesia". O lirismo é onipresente nessa mostra adorável, bem como o otimismo, o humor e a sedução visual fundada na perfeição de formas: um modernista pioneiro, leve e fresco para a nossa era de espetáculo e entretenimento.

    "Alexander Calder, Performing Sculpture", Tate Modern, Londres, até 3/4 tate.org.uk

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024