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    Saudades do Brasil

    KELLY PETERSON
    tradução CLARA ALLAIN

    17/01/2016 03h37

    São Paulo, 1998

    Para muitas pessoas, Oscar Peterson foi uma lenda do jazz, com seus oito Grammys, o Praemium Imperiale, o Prêmio de Música da Unesco, o BBC Radio Lifetime Achievement Award, sua estátua em tamanho real inaugurada pela rainha Elizabeth 2ª em Ottawa, no Canadá, em 2010, e tantos outros prêmios musicais e reconhecimentos. É assim que sua memória é preservada.

    Para mim, porém, ele foi muito mais do que isso. Ele foi meu marido. Em 2015, Oscar teria completado 90 anos. Achei que uma maneira interessante e boa de lembrar a ocasião, e de fazer algo diferente para prestar uma homenagem ao seu legado, era gravar um disco com canções inéditas de Oscar.

    O álbum "Oscar, with Love" (Oscar, com amor) foi lançado em dezembro último e é justamente isso –uma coletânea de composições de Oscar ou feitas para ele por alguns de seus amigos músicos mais próximos, que finalmente estarão disponíveis para o público.

    Acervo pessoal
    Oscar Peterson e Sabine Lovatelli, do Mozarteum Brasileiro, durante a terceira turnê do pianista em São Paulo
    Oscar Peterson e Sabine Lovatelli, do Mozarteum Brasileiro, durante a terceira turnê do pianista em São Paulo

    O disco inteiro foi gravado por esses amigos e grandes nomes do jazz no estúdio da nossa casa, no piano Bösendorfer Imperial do próprio Oscar, cujo som nunca antes foi ouvido pelo grande público. É uma homenagem muito especial a um homem muito especial.

    Chick Corea, Michel Legrand, Monty Alexander, Ramsey Lewis, Kenny Barron, Benny Green, Oliver Jones, Renee Rosnes, Bill Charlap e Makoto Ozone tocam no disco, entre outros colegas e amigos. Ozone toca "The Contessa", uma canção que Oscar compôs para a presidente do Mozarteum Brasileiro, Sabine Lovatelli, uma amiga querida que o levou ao Brasil na década de 1980 para tocar –foram duas turnês, em 1985 e em 1987.

    Nos anos 1990, Oscar foi convidado outras duas vezes –em 1996 e 1998. Nessa segunda vinda a São Paulo, ele tocou a canção (cujo nome é inspirado no título italiano de Sabine, condessa) uma só vez, diante de dezenas de milhares de pessoas no parque Ibirapuera, em São Paulo, onde ela foi recebida com grandes ondas de aplausos.

    Foi uma experiência ímpar para Oscar. Ele nunca antes tinha se apresentado para um público tão grande. Uma música linda como aquela não deve ser mantida longe do público. Ela mostra Oscar como o grande compositor que ele foi.

    José Nascimento - 9.nov.1998/Folhapress
    Show do pianista Oscar Peterson no parque do Ibirapuera em novembro de 1998
    Show do pianista Oscar Peterson no parque do Ibirapuera em novembro de 1998

    Mas essa não foi a única razão por que decidimos gravar essa faixa específica para o álbum –o Brasil exerceu enorme impacto positivo sobre Oscar em outros aspectos. Ele amava demais a música brasileira, além da feijoada e da caipirinha. Com todos esses ingredientes reunidos, criou-se uma memória que nos seria cara para sempre.

    Estávamos em um restaurante onde uma banda tocava ao vivo e ficamos muito impressionados ao notar que as pessoas se mexiam um pouco em suas cadeiras e até acompanhavam a canção, cantarolando. Ficou claro que a música é uma parte importante da vida no Brasil, mais do que tínhamos visto durante todo nosso tempo viajando pelo mundo. Nos sentimos felizes naquele ambiente.

    A música brasileira é tão bela, está em toda parte e tem esse ritmo especial que agrada especialmente aos músicos de jazz. Quando começamos a namorar, Oscar me mandou o álbum "Amoroso", de João Gilberto. Ele também adorava Tom Jobim e o samba.

    Na verdade, ele compôs várias músicas que lembram o samba, incluindo "Goodbye, Brazil". Isso por si só mostra o que ele sentia em relação ao país e por que o Brasil não poderia ficar de fora deste álbum que faz um tributo a ele.

    Ouça no soundcloud

    KELLY PETERSON, 59, produtora musical americana, é fundadora do selo Two Lions Records.

    CLARA ALLAIN é tradutora.

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