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    PONTO CRÍTICO

    Mostra em SP torna visível um dos mais inventivos artistas brasileiros

    FELIPE SCOVINO

    24/01/2016 02h02

    Segue até 9 de fevereiro a imperdível mostra "Sergio Camargo: Luz e Matéria", com curadoria de Paulo Sérgio Duarte e Cauê Alves, no Itaú Cultural, em São Paulo. Com mais de cem obras, grande parte pertencente a coleções privadas, apresentadas em conjunto pela primeira vez, a exposição torna visível a produção de um dos mais inventivos artistas brasileiros do século 20.

    O caráter de ineditismo e o fato de não assistirmos a exibições abrangentes do artista com regularidade já tornariam a mostra obrigatória. Além desses aspectos, o recorte curatorial nos faz pensar nos atributos do branco, do silêncio e do vazio, elementos atravessadores do trabalho do artista, e como essas imagens podem nos revelar infinitas paisagens, situações e o processo íntimo da forma.

    Divulgação
    Sergio Camargo em seu ateliê
    Sergio Camargo em seu ateliê

    A pesquisa do artista –que começa aos seus 16 anos na Academia Altamira, em Buenos Aires, sob a orientação de Lucio Fontana, e segue com Hans Arp, Constantin Brancusi e Georges Vantongerloo na Europa– envolvia reflexões e investigações sobre a estética construtivista no Brasil.

    Sergio Camargo (1930-90) manteve-se à margem, sem se alinhar a coletivos, manifestos ou utopias, mesmo se os tempos eram de compromissos estéticos, como os que pautaram o Grupo Frente, o concretismo e o neoconcretismo.

    As influências de Arp e Brancusi são bastante visíveis em seus trabalhos, mesmo os figurativos do início de carreira. Brancusi polia a superfície de suas obras até atingirem "um acabamento lustroso que proporcionasse um reflexo perfeito", segundo a crítica Rosalind Krauss. Essa característica permitia que forças distorcidas de luz e sombra refletissem a partir do ambiente em que o objeto era contemplado, fazendo com que ora o espectador pudesse ser projetado sobre aquela forma, ora pudesse ter múltiplas visões e sensações a respeito daquele objeto em bronze.

    Este método é recuperado por Camargo, cujas obras em madeira ou mármore conclamam a uma variação de movimento das formas pela pura incidência da luz ao criar sombras e espaços virtuais que aumentam a volumetria ou fabricam novos núcleos para aqueles sólidos. Há que considerar ainda a posição que o espectador toma em relação à obra, fazendo com que esse jogo de formas e matéria seja ampliado e deformado pela imaginação de cada um.

    Parece-me que sua obra adquire uma autonomia frente a outros escultores de sua geração especialmente pelo material escolhido, que se conecta com uma construção delicada, multiforme e, se pensarmos nos relevos de madeira da década de 1960, ambiguamente austera e desordenada, descontínua e organizada, veloz e insistente.

    Seus trabalhos atuam por oposições e rupturas de elementos em função de um sistema rigoroso, mas com um aspecto aleatório, que faz com que se aproxime do pedido de Athos Bulcão aos operários encarregados de montar seus trabalhos: que dispusessem os azulejos dos murais da forma mais humana possível, isto é, atendendo a uma construção de certa forma "ao acaso".

    É curioso perceber também como Camargo altera a ideia de cinetismo. Na relação entre cheio e vazio, simetria e corte, equilíbrio e casualidade, suas trombas e tocos, como costumava denominar algumas de suas obras, constroem uma sensação que avança de forma virtual e contínua no espaço, gerando uma atitude desestabilizadora ao fundar ordem e imprevisibilidade.

    Vale destacar a reprodução do último ateliê do artista que funcionou no Rio entre 1975 e 90 e a documentação fotográfica de duas obras magistrais em diálogo com o espaço urbano: o muro estrutural do Palácio do Itamaraty (1967-70) e uma parede com formas geométricas de concreto para o Centro Empresarial Itaú Unibanco (1987).

    FELIPE SCOVINO, 37, é professor da Escola de Belas Artes da UFRJ e crítico.

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