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    Perspectivas à beira do rio

    DIOGO BERCITO

    28/02/2016 02h06

    O cinema alternativo penetra a cultura cairota nas imediações da praça Talaat Harb, no centro da cidade, não muito distante do curso do Nilo. Uma sala adjunta ao tradicional Cinema Odeon projeta produções de todo o mundo –a regra é mostrar ali o que não aparece nos demais espaços do país.

    As exibições são organizadas pelo projeto Zawya (perspectiva, em árabe) em salas de 170 assentos. A iniciativa é parte do trabalho de Marianne Khoury, sobrinha do cineasta-símbolo do Egito, Youssef Chahine ("Adieu Bonaparte", 1985).

    A entrada fica nos fundos do Odeon, em uma ruela maltratada. Enquanto o Odeon exibia blockbusters egípcios, o Zawya se preparava para passar o longa "Carol" (2015), sobre um relacionamento entre duas mulheres, tema delicado neste país conservador.

    A entrada custa em torno de R$ 10. O chá de hortelã, R$ 4. Na quarta-feira (24), o Zawya inaugurou um festival sobre a atriz sueca Ingrid Bergman (1915-82), com um cardápio de produções gratuitas ao público.

    O Zawya realiza também projetos em outras cidades ao redor do país, incluindo cursos e oficinas, além das parcerias internacionais –por exemplo, com o Instituto da Cultura Árabe, em São Paulo, que organiza anualmente a Mostra Mundo Árabe de Cinema.

    NILÔMETRO

    O trânsito onipresente e onipotente do Cairo, que entope todas as vias, não poupa as ruas que acompanham o Nilo em seu curso. Carros buzinam sem interrupção. Apesar do estorvo, o caminho pelas margens do rio é uma interessante maneira de conhecer a cidade.

    11.mai.10 - Reuters
    Parte de igreja do século 5 a.C. e de um nilômetro que foram descobertos em Luxor
    Parte de igreja do século 5 a.C. e de um nilômetro que foram descobertos em Luxor

    Dura um pouco mais de uma hora de caminhada entre a praça Tahrir, onde protestos derrubaram em 2011 o então ditador Hosni Mubarak, e a região do Nilômetro. A estrada passa por diversos viveiros de plantas irrigados pelo rio. Em um estacionamento, por alguma razão, cachorros dormem em cima do capô dos carros. Um louva-a-deus permanece estático em cima de uma mureta.

    O Nilômetro, no fim da caminhada, é um monumento do século 9 com a mesma função de seus antecessores na Antiguidade: medir as cheias do rio. Tantos cúbitos previam safras vistosas. Menos, secura. Mais, inundações.

    Hoje, com a construção de represas e o fim das oscilações, o monumento é uma silenciosa estrutura na qual o visitante desce as escadas rumo a um fundo seco.

    SANTÍSSIMOS

    Os cristãos egípcios seguem um ramo específico do cristianismo, o copta. Seus santos estão amontoados, no Cairo, em um complexo de igrejas e capelas na região conhecida como Mar Girgis –São Jorge, em português.

    Mar Girgis está a alguns minutos de caminhada a partir do rio, na mesma região do Nilômetro. Dentro dos santuários, fiéis se empurram para esfregar a mão nas imagens do cavaleiro derrotando o dragão. Em uma das igrejas, as estruturas remontam ao século 3, e suas paredes estão forradas por 110 ícones.

    O Egito foi, antes da chegada do islã, um dos centros intelectuais do cristianismo. Nos primeiros séculos da era cristã, monges se isolaram em seus desertos. Hoje os coptas correspondem a 10% da população do Egito e enfrentam ondas periódicas de violência.

    À NOITE

    Jovens egípcios começam a noite nos tradicionais bares de narguilé, onde bebem também infusões de hibisco. Ao redor, anciãos jogam gamão, batendo com as peças no tabuleiro. Próxima parada, uma barraquinha de garapa.

    Então o prato típico: kosheri. A receita remonta ao século 19, e mistura arroz, macarrão, lentilha, molho de tomate, grão-de-bico e cebola frita. É a refeição comum das classes baixas.

    De bar em bar, a noite termina no telhado de um hotel. É nesse tipo de espaço que, em geral, se encontra o álcool –não consumido por parte dos muçulmanos, a quem a bebida é proibida. Em um desses estabelecimentos, o garçom se desculpa por não poder servir a cerveja. Não é que tenha esgotado. Ele não pode encostar na garrafa. A solução, à beira do Nilo, se improvisa: o cliente vai até a cozinha, abre a geladeira e se serve sozinho. Saúde!

    DIOGO BERCITO, 27, é jornalista e assina os blogs Orientalíssimo e Mundialíssimo no site da Folha.

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