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    PONTO CRÍTICO

    Brasileiros são intérpretes ideais do violonista cubano Leo Brouwer

    IRINEU FRANCO PERPETUO

    06/03/2016 02h02

    Se tudo dá certo na carreira de um jovem artista, chega o momento em que ele deixa de ser uma promessa para se consolidar como realidade. Sob esse ponto de vista, talvez tenha chegado a hora de conferirmos ao Brasil Guitar Duo o status de legítimo sucessor de duplas brasileiras de violões como o Duo Assad e o Duo Abreu –e não apenas porque seus integrantes empregam violões fabricados por Sérgio Abreu.

    Afinal, já se vão dez anos desde que, em 2006, João Luiz e Douglas Lora venceram, em Nova York, a prestigiosa Concert Artists Guild Competition, voltada para a música erudita em geral. Desde então, os ex-alunos de Henrique Pinto vêm cumprindo rica agenda de concertos nos EUA, incluindo ainda excursões à Europa e à China.

    Em 2014, uniram-se a ninguém menos que o astro do violoncelo Yo-Yo Ma para a estreia de "El Arco y la Lira", do compositor ao qual dedicam seu mais recente CD: o cubano Leo Brouwer, 77, um fã de Villa-Lobos e Egberto Gismonti que já foi até homenageado com festival no Brasil.

    Desirée Furoni - 14.jun.2012/Divulgação
    Os violonistas João Luiz (à esq.) e Douglas Lora, do Brasil Guitar Duo, com a Osesp
    Os violonistas João Luiz (à esq.) e Douglas Lora, do Brasil Guitar Duo, com a Osesp

    Brouwer foi um dos mais brilhantes violonistas do pós-Guerra, até um problema em uma das unhas, no final dos anos 1970, encerrar sua carreira de concertista. Não surpreende, assim, que, embora sua produção abarque peças para as mais diversas formações, ele tenha recebido maior reconhecimento no violão, sendo hoje tido como um dos principais expoentes na escrita para o instrumento.

    Depois de um início marcado pelo nacionalismo, Brouwer se tornou, na década de 1960, um compositor ligado às vanguardas. Participou da renovação da música popular de Cuba (estimulando o movimento Nueva Trova, de Pablo Milanés e Silvio Rodríguez, e tocando com o Irakere, grupo de jazz afrocubano) e, a partir dos anos 1980, adotou estilo mais "acessível", dialogando com o minimalismo e a música tonal.

    Dedicado à sua produção para dois violões, o disco "Brouwer: Music for Two Guitars" (Naxos), do Brasil Guitar Duo, conta essa trajetória: desde as "Micro Piezas", de 1957, engenhosa homenagem ao compositor francês Darius Milhaud (1892-1974), até a "nova simplicidade" da "Sonata de Los Viajeros" (2009), cujas referências vão da Grécia antiga ao Caribe de hoje, passando pela Alemanha de Bach.

    O violão costuma ser uma espécie de gueto dentro da música de concerto, com um circuito autossuficiente, cujas atividades nem sempre se tornam conhecidas fora de seus limites. Ouvindo o álbum, descobre-se por que a reputação do compositor consegue transcender as fronteiras do instrumento: nas suas diversas fases, sua produção se caracteriza por uma musicalidade exuberante e imaginativa.

    Embora o álbum seja prazeroso de ouvir como um todo, não há como não ter a atenção capturada por "Per Suonare a Due", conjunto de cinco miniaturas de 1973 que retratam o Brouwer mais experimental. Entre citações, efeitos inesperados e um gestual retórico teatral, o compositor cubano urde 14 minutos de um discurso que é original e inventivo sem ao mesmo tempo deixar de dialogar com o ouvinte.

    Muito do mérito pelos deleites da audição do disco, obviamente, deve-se não apenas ao valor intrínseco das composições de Brouwer, mas também à profunda identificação do Brasil Guitar Duo com seu universo estético.

    Como já fizeram em discos anteriores dedicados ao italiano Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968) ou a arranjos extraordinariamente criativos de canções de Edu Lobo, João Luiz e Douglas Lora emprestam convicção e arrebatamento a cada compasso que interpretam.

    Virtuosismo onde requerido (mas sem exageros exibicionistas), precisão rítmica, entrosamento, lirismo introspectivo e uma capacidade de falar sem sotaque os idiomas nacionais empregados por Brouwer fazem dos violonistas brasileiros seus intérpretes ideais, e guias privilegiados na jornada pelo mundo sonoro de um criador contemporâneo relevante e multifacetado.

    IRINEU FRANCO PERPETUO, 44, é jornalista e tradutor, autor de "Alma Brasileira" (Livro Falante).

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