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    A diplomacia do chiclete com banana

    ROGÉRIO ORTEGA
    ilustração PAULO MONTEIRO

    15/05/2016 02h04

    "Eu só boto bebop no meu samba quando o Tio Sam tocar um tamborim", diz a letra de "Chiclete com Banana", samba de Gordurinha (1922-69) e Jackson do Pandeiro (1919-82), gravado por este em 1959. Décadas se passaram, mas as relações entre EUA e Brasil parecem indicar que Tio Sam continua sem saber que samba não é rumba –e até pode se aventurar a tocar tamborim, mas em raras ocasiões.

    "O Brasil não é e nunca será prioridade para um presidente americano", afirma Carlos Eduardo Lins da Silva, ex-correspondente da Folha em Washington.

    "O mundo se tornou muito mais complexo, inclusive para a maior potência", diz Rubens Barbosa, lembrando as dificuldades dos Estados Unidos no Oriente Médio e as tentativas de conter as aspirações expansionistas da China. Segundo o ex-embaixador do Brasil em Washington, os EUA nos veem "não como uma potência global, como a retórica diplomática dos dois lados gosta de repetir, mas como um país com aspectos econômicos que interessam ao governo e às empresas americanas".

    Dentro desse quadro tradicional das relações bilaterais, a maioria dos entrevistados considera que as conversas com os Estados Unidos perderam força no governo de Dilma Rousseff. Desde 2011, elas tiveram um ponto baixo –a revelação do escândalo de espionagem da NSA, a Agência de Segurança Nacional americana, em 2013, que envolveu Dilma e fez com que ela cancelasse sua visita a Washington– e um alto, em 2015, quando a presidente finalmente foi à capital americana para anunciar metas ambientais antes da Conferência do Clima (COP-21) em Paris.

    Para Matias Spektor, embora os EUA tenham "redobrado a aposta" no engajamento quando a mandatária assumiu, a relação perdeu o vigor que mostrava sob Lula e Bush. "Mesmo quando os dois países assinaram coisas importantes, como ocorreu com Dilma e Obama, Brasília não deu sequência, deixando essa oportunidade minguar", afirma o professor da FGV e colunista da Folha. "[Obama] fez o que pôde, mas a política externa brasileira no período não demonstrou nenhum entusiasmo para se engajar de fato numa relação melhor", concorda Lins da Silva.

    foto Eduardo Knapp/Folhapress

    Crítico do petismo, Rubens Barbosa vê nos últimos 13 anos "uma grande oportunidade perdida" para aproveitar melhor a cooperação em áreas como comércio e inovação. "O governo brasileiro, desde o segundo mandato do presidente Lula e agora com Dilma, lidou mal com os EUA por influência da visão de mundo do PT. Prevaleceu a ideologia sobre o interesse nacional", diz o ex-embaixador.

    Alexandre Vidal Porto, por sua vez, acredita que os eixos principais da relação se mantiveram. "O ritmo do diálogo bilateral tornou-se mais lento. Mas não só com os EUA: a partir do governo Dilma, todo o dialogo diplomático do Brasil diminuiu em frequência e substância", diz o colunista da Folha. "Creio que a Casa Branca tem noção da inviabilidade e das limitações do governo Dilma como parceiro diplomático, especialmente depois do escândalo da espionagem americana. Por isso acho que passaram a procurar parcerias alternativas na América Latina."

    "As relações melhoraram no primeiro mandato [de Dilma], depois pioraram [quando eclodiu o escândalo da espionagem da NSA], depois melhoraram de novo", diz Julia Sweig. "Mas, quando melhoraram, na época da visita a Washington, Dilma já estava sob ataque no Brasil e sem espaço para nada de 'estratégico' com os EUA."

    Nenhum analista arriscou dizer o que será quando Barack Obama e, muito provavelmente, Dilma Rousseff forem página virada.

    ACORDOS

    Ouvido pela Folha sob anonimato, um diplomata envolvido nas negociações com os Estados Unidos rebate as críticas. Segundo ele, hoje as relações bilaterais estão em patamar mais alto que nos anos anteriores, descontada a temporária redução de ritmo provocada pelo episódio de espionagem em 2013. De acordo com o diplomata, a visita de Dilma a Washington no ano passado ajudou a aprofundar a cooperação em setores como defesa e educação, além dos acordos ambientais.

    O Ministério das Relações Exteriores vê em casos recentes, como a colaboração com os americanos no combate ao vírus da zika e na área de segurança pública e defesa, com vistas à Olimpíada do Rio, que começa em agosto, exemplos do que considera alto nível de interlocução com a Casa Branca. O diplomata acrescenta, porém, que seria do interesse do empresariado de ambos os países uma "maior integração econômico-comercial".

    Quanto ao futuro, o funcionário do Itamaraty diz que talvez se possa vislumbrar, "ainda que muito embrionariamente", uma atitude mais realista por parte dos republicanos, que devem ser pressionados por boa fração do eleitorado –apontando, assim como Matias Spektor, para as diferenças entre retórica de campanha e estilo de governo. Já Hillary, se eleita, avalia o diplomata, poderá ser mais assertiva que Obama, "por estilo e convicções pessoais".

    Hoje os americanos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás dos chineses. Desde 2009, as importações brasileiras dos EUA vêm sendo superiores às exportações. No ano passado, conforme os dados do Ministério do Desenvolvimento, o saldo negativo foi de US$ 2,4 bilhões.

    ROGÉRIO ORTEGA, 45, jornalista, é colaborador da Folha e escreve o blog Coxinha com Mortadela no site do jornal.

    PAULO MONTEIRO, 54, é artista plástico.

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