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    Robert Darnton lança novo livro e fala sobre literatura e censura

    SYLVIA COLOMBO

    05/06/2016 02h00

    RESUMO Em livro recentemente lançado no Brasil, professor da Universidade Harvard analisa os efeitos da censura sobre a literatura, a partir de três momentos históricos. Na entrevista, Robert Darnton fala sobre o impacto do controle na França, sobre como pesquisar um período em que censores estão vivos e política nos EUA.

    Jorge Araujo - 29.mai.2012/Folhapress
    Robert Darnton no auditório da Folha em 2012
    Robert Darnton no auditório da Folha em 2012

    Em agosto de 1745, a polícia francesa ficou alarmada com um romance que, da noite para o dia, se fizera imensamente popular em Paris. Tratava-se de uma trama passada na corte em que se insinuavam detalhes da vida amorosa do rei. A busca pelo autor foi incansável. Prenderam-se leitores, livreiros e intermediários, até que o delegado ficou diante do "perigoso" autor do livro. Mas não acreditava no que via.

    Tratava-se de uma bela mulher, Marie-Madeleine Bonafon, de 28 anos, camareira do palácio, de origem humilde e parca formação.

    O questionário dirigido a ela, encontrado pelo historiador Robert Darnton, demonstra a incredulidade do policial: "Você fez isso sozinha?", "quem te disse para escrever assim?", "essa história saiu mesmo da sua imaginação?".

    Em entrevista à Folha, por telefone, Darnton conta: "Era inconcebível, então, que uma mulher pobre escrevesse coisa alguma, um romance, então, impensável. Mas o episódio me pareceu perfeito para ter a medida do quanto era necessária e ativa a censura à literatura na França do século 18".

    A pobre Madeleine passou alguns meses na Bastilha e depois foi trancafiada num convento.

    Censores Em Ação
    Robert Darnton
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    O historiador, 77, deixou o comando das bibliotecas da Universidade Harvard em julho –mas continua no conselho do projeto de biblioteca digital (DPLA) que criou para combater a digitalização de livros pelo Google, além de se dedicar a uma nova pesquisa.

    Seu trabalho mais recente sai agora no Brasil. "Censores em Ação - Como os Estados Influenciaram a Literatura" [trad. Rubens Figueiredo, Companhia das Letras, 372 págs., R$ 69,90 ou R$ 39,90 em e-book] toma três episódios da história em que a censura teve papel crucial para tentar explicar o fenômeno. São eles a França do século 18, o "raj" britânico na Índia do século 19, e a Alemanha comunista, no 20.

    *

    Folha - Nos três casos tratados no livro, o sr. mostra que a censura nunca se limitou a proibições e sempre respondeu a contextos específicos. No caso francês, o sr. diria que os censores atuaram, de certa forma, como os editores dos dias de hoje?

    Robert Darnton - Creio que a literatura francesa teria tomado um rumo diferente se não fossem os censores daquela época, ainda que tentar imaginar por onde teria ido seja um jogo de especulação.

    Acho que não se pode minimizar o fato de que os censores franceses realmente buscavam, para efeitos de repressão, opositores ao regime ou sediciosos em geral. Mas também é correto dizer que opinavam sobre questões de estilo, narrativa e trama porque acreditavam que, para que uma obra recebesse um selo de aprovação da Coroa, do rei, ela tinha de ser realmente boa, tinha de agradar do ponto de vista literário.

    O sr. diria que a censura nasce ao mesmo tempo que a necessidade de expressão dos indivíduos?

    Sim, no sentido de que ambas se desenvolvem dentro de sociedades em que há regras de convívio, e, portanto, há política. Há muitos exemplos de censura ao longo da história, mas, assim como muitas vezes houve censura, entendida como a tentativa de impedir que alguém expressasse opinião contrária aos que governam, sempre houve também maneiras de burlar a censura e os censores.

    No caso francês, por exemplo, desenvolveu-se todo um sistema caro e trabalhoso, em que se imprimiam livros proibidos fora das fronteiras para depois contrabandeá-los para dentro da França. E essa era uma operação de alto custo, devido aos riscos. E houve casos, como na ditadura brasileira [1964-85], de artistas que burlaram a censura através da paródia ou da mensagem nas entrelinhas.

    Quando um autor, tendo burlado a censura, se sente compreendido por seu leitor, cria-se uma sensação de cumplicidade. Também essa cumplicidade existe desde os primeiros tempos da expressão literária ou artística em geral.

    O sr. dá o exemplo da camareira Marie-Madeleine Bonafon, cuja história é singular, pois os censores não conseguiam acreditar que uma mulher, sem educação formal, pudesse ter escrito um romance. Qual é a importância desse caso?

    Eu me senti muito tocado pela história de Madeleine Bonafon, porque é um exemplo de como a França daquele tempo era um território fervilhante de ideias e de mudanças, onde algo assim era possível, embora fosse inacreditável aos olhos de muitos. Creio que o Iluminismo foi isso, um despertar de consciência da sociedade que se manifestou primeiro com exemplos como esse, pontuais, mas que deixavam entrever a sensacional mudança histórica que se movia por trás dos indivíduos.

    Já no capítulo sobre o comunismo na Alemanha Oriental, o sr. teve uma experiência diferente, uma vez que foi o único dos casos estudados em que teve acesso a testemunhas vivas da censura. Qual foi a principal diferença entre estudar o tema por meio de documentos e através de entrevistas com pessoas reais? O sr. encontrou resistência?

    Não foi fácil entrevistá-los, tive de contar com a ajuda de mediadores que os convenceram de que meu livro não teria um tom punitivo, que eu não buscava acusá-los de crimes, mas sim entendê-los.

    A reação inicial, em geral, era a de responder às primeiras perguntas com uma acusação, a de que nos Estados Unidos também há censura, que é o controle do mercado capitalista. Eu sempre me mostrei aberto a discutir isso, creio que é uma questão, mas tratava-se de convencê-los de que minha questão era outra e de que não se tratava de transportar conceitos no tempo, sou um historiador.

    E como explicavam seus atos?

    Fiquei convencido de que acreditavam que sua missão correspondia a um plano, a uma ideia que consideravam correta de que o futuro poderia ser construído segundo sua orientação ideológica. A ideia básica era essa, a de planejamento. Nesse sentido, acreditavam que sua missão tinha algo de heroico, que iria moldar o futuro.

    Creio que foram sinceros nas entrevistas, porque o material que encontrei depois, nos seus relatórios de época, confirmava isso.

    O sr. mostra como essa tarefa era cara, contando com um operativo numeroso. Era um assunto, portanto, nada secundário, correto?

    Nada secundário, era essencial. É preciso ressaltar que o jornalismo e as TVs não ocupavam um papel tão protagonista como viria a ocorrer. Portanto controlar a literatura era muito importante na Alemanha Oriental da época, mais do que no Ocidente naquele mesmo período. Pessoas da alta cúpula do regime se preocupavam com o que os livros iam dizer.

    E como o sr. respondia aos que dizem que o mercado capitalista, nos Estados Unidos, também são uma força de censura?

    Como disse, entendo quem usa esse argumento. Mas acredito que o mercado não possa ser considerado censura segundo o entendimento clássico, pois o autor sempre pode buscar outra editora, ele tem um sem-número de opções para que sua obra seja publicada, se considerada boa. E, se não for, não há uma perseguição. Muito menos perseguição ideológica.

    Agora, isso não diminui a imensa influência que as decisões do mercado editorial capitalista exercem, de fato, no público leitor.

    O sr. também estudou a reação dos censurados. O que concluiu?

    Que a censura tinha mais poder do que o de apenas vetar ou controlar um grupo de revoltosos ou opositores. Dediquei um bom tempo à leitura de muito do que foi escrito por autores censurados a respeito dessa experiência e vi que eles compartilham uma sensação de impotência e de injustiça por não poderem reagir; alguns foram realmente a nocaute pelo trauma. O poder que a censura tem vai além da obra censurada, ela produz um grupo de autores que se autocensuram, muitas vezes até inconscientemente. A autocensura é um aspecto muito importante da censura propriamente dita.

    Como responde às críticas daqueles que pensam que, ao estudar os censores em seu contexto, o sr. pode tê-los humanizado demais?

    Bom, com uma triste constatação –eles eram de fato humanos e também de humanos eram formados os poderes que eles representavam (risos). Mas esse tipo de coisa sempre ocorre quando estudamos períodos sombrios, ditaduras ou o próprio nazismo, a partir de um ponto de vista histórico.

    Neste livro, quis mostrar que a história da censura não é necessariamente uma história das luzes contra a escuridão, mas a história de um determinado contexto e comportamento humanos. Tentei olhar a questão desse modo histórico e antropológico.

    Como o sr. explica o fenômeno Donald Trump em seu país?

    Com bastante espanto e preocupação. Creio que é um discurso populista que tenta congregar o que há de desgosto na sociedade americana com relação ao modo como o poder é exercido em Washington há tanto tempo.

    Trump tem vencido com seu jeito palhaço de atuar mas também ao vender a ideia de que ele não vai ser um presidente, e sim um CEO. E tem se apoiado em uma opinião tristemente dividida por muitos de que este seria um país melhor se nos livrássemos de muçulmanos, de mexicanos, ou seja, de imigrantes, que foram a força motriz da criação dos EUA.

    Mas eu creio que ele é tão repulsivo para tanta gente, inclusive para grande parte dos republicanos, que o que irá causar é o contrário, uma grande vitória democrata.

    O sr. acredita que haja uma crise de representatividade mais global?

    Sim, creio que o cansaço com o velho modo de fazer política é internacional e que ele fica reforçado em tempos de incerteza econômica, como o que vivemos.

    Vemos isso reaparecer na Europa, e me preocupa muito o renascimento de nacionalismos, assim como a possibilidade de que o Reino Unido abandone a União Europeia. Temo que se abram espaços, também aí, para novos tipos de tirania. Mas também acredito, como no caso de Trump nos EUA, que haverá uma resposta nova e positiva para isso que agora parece tão preocupante.

    SYLVIA COLOMBO, 44, é repórter especial da Folha.

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