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    A marca bilionária de Trump vai além da Casa Branca

    MARCELO NINIO

    05/06/2016 02h00

    Luz, câmera, encenação. A política americana já foi engolida, digerida e cuspida de volta incontáveis vezes pela cultura de massa. Nenhum outro país tem uma produção tão farta de filmes e seriados de TV retratando, bisbilhotando ou imaginando a vida de seus presidentes.

    É um fetiche histórico que está no DNA da cultura dos EUA. Há presidentes de mentirinha para todos os gostos, do herói de ação interpretado por Harrison Ford no filme "Força Aérea Um" ao inescrupuloso Frank Underwood de Kevin Spacey na série "House of Cards".

    Em 1981, Hollywood chegou à Casa Branca real, quando Ronald Reagan assumiu a Presidência e deixou de ser conhecido apenas como um ator sem brilho para tornar-se um herói do Partido Republicano. Mas nunca houve nada parecido com Donald Trump.

    Seu sucesso na campanha presidencial foi pavimentado por um subproduto da cultura que embaralhou de vez as fronteiras entre ficção e verdade, o reality show. Em 14 temporadas à frente do programa "O Aprendiz", ele aperfeiçoou as técnicas de comunicação e eliminação de adversários, e as usou com maestria na campanha até se tornar o improvável candidato presidencial do partido de Reagan. Agora, depois de passar anos repetindo o bordão "você está demitido", Trump poderá se beneficiar da experiência para ganhar o emprego de presidente.

    Especialista em vender a própria marca, Trump já ganhou, mesmo se perder a eleição de novembro para Hillary Clinton, sua provável oponente. Afinal, como mostram os "big brothers" da vida, não é só o campeão que sai ganhando. Ou, como indica o próprio bilionário, não existe má publicidade. Para Hillary, em sua segunda e provavelmente última campanha presidencial, só interessa a vitória. Trump não tem o que perder.

    A campanha relançou mundialmente a grife Trump, dando ar "cult" a um nome antes associado à cafonice. Segundo levantamento do "Washington Post", a receita de seu império engordou US$ 190 mi (R$ 682 mi) desde que ele entrou na corrida presidencial.

    KRYPTONITA

    Mesmo depois de conquistar a candidatura republicana, os adversários continuam a menosprezar as chances do magnata chegar à Casa Branca. "Donald Trump não será presidente dos EUA", afirmam –entre eles Barack Obama, como se a repetição de um mantra fosse capaz de mudar a realidade.

    Num país em que o voto não é obrigatório, porém, essa retórica pode acabar sendo um tiro no pé, ajudando a criar uma sensação de complacência e deixando os eleitores que se opõem ao bilionário em casa no dia da votação. Até agora, nenhum dos ataques a Trump foi capaz de derrubá-lo, pelo contrário. É como um super-homem que consegue usar a kryptonita a seu favor.

    DA RAIVA AO ÓDIO

    Um bom exemplo foi a reação de Trump ao ser criticado, no início do ano, pela governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, estrela em ascensão do Partido Republicano, por usar a raiva como tática.

    Em vez de defender-se, ele abraçou a acusação. "Tenho muita raiva, porque odeio o que está acontecendo neste país", rebateu.

    Mais uma jogada de mestre, num ano em que raiva é a palavra mais usada pelos eleitores para definir seu sentimento com a política nacional. Da raiva ao discurso de ódio há uma linha tênue, como demonstram as declarações de Trump contra muçulmanos e imigrantes em geral.

    CIDADÃO OBAMA

    Um mansão de nove quartos numa das áreas mais belas e classudas da cidade aguarda o presidente Obama e família quando eles deixarem a Casa Branca, no começo do ano que vem. A casa de tijolos aparentes fica numa rua tranquila do bairro de Kalorama, conhecido pelos vizinhos ricos e poderosos. Obama será o primeiro presidente a ficar na capital após o mandato desde Woodrow Wilson (1912-21) para que a filha Sasha, 14, termine o ensino médio na cidade.

    O endereço fica a um pulo da chamada avenida das Embaixadas, onde fica a do Brasil, e a menos de 500 metros do Centro Islâmico, uma das maiores mesquitas de Washington. Mais um prato cheio para Trump, que há anos insinua que Barak Hussein Obama esconde ser muçulmano.

    MARCELO NINIO, 50, é correspondente da Folha em Washington.

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