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    Eleição na Áustria deve dar gás à extrema direita da Alemanha

    SILVIA BITTENCOURT

    12/06/2016 02h00

    Nunca uma eleição na Áustria chacoalhou tanto os políticos da Alemanha como esta última para presidente, em maio. Se por um lado a vitória apertada do ecologista Alexander van der Bellen deixou aliviados os vizinhos alemães, por outro, o sucesso de Norbert Hofer, o candidato da extrema-direita, mostrou o forte potencial do chamado voto de protesto.

    Isso porque também aqui os eleitores estão dando as costas para a grande coalizão que sustenta o governo Merkel e debandando para a Alternativa para a Alemanha (AfD), o novo partido populista de direita no país. Desde a crise dos refugiados, no ano passado, a AfD vem roubando votos de todas as siglas, inclusive de esquerda. Em algumas regiões, chegou a se tornar a segunda maior força política.

    Leonhard Foeger - 23.mai.16/Reuters
    Candidato da esquerda, Alexander van der Bellen fala à imprensa após vencer a eleição na Áustria
    Candidato da esquerda, Alexander van der Bellen fala à imprensa após vencer a eleição na Áustria

    Analistas menos céticos ainda acreditam na atual política de integração e ressaltam a força do multiculturalismo na Alemanha. Destacam o fato de que, enquanto o Partido da Liberdade de Hofer (FPÖ, em alemão) é uma agremiação já estabelecida, com suas origens nos anos 1950, a AfD é ainda jovem, criada em 2013, e impulsionada apenas pela crise dos refugiados. Seu programa oferece pouca coisa além do discurso xenófobo.

    Os mais pessimistas, por sua vez, temem as consequências de um eventual acirramento nas fronteiras da Europa ou mesmo no acordo recentemente fechado com a Turquia para conter a onda migratória. Acham que uma nova crise pode detonar uma bomba eleitoral. O pleito na Áustria certamente dará mais gás à AfD. A questão é por quanto tempo.

    ILEGAIS NOS PALCOS

    Não foi por acaso que "Schiff der Träume" (navio dos sonhos), um drama sobre refugiados, abriu o último Festival de Teatro de Berlim. Imigração e racismo tornam-se temas cada vez mais frequentes nas casas de espetáculo alemãs.

    Dirigida por Karin Beier, a peça é uma adaptação de "E la Nave Va" (1983), de Fellini (1920-1993). Se no filme do cineasta italiano os náufragos socorridos por um navio de luxo são sérvios, aqui eles são africanos. E os atores, refugiados acolhidos pelo teatro de Hamburgo, do qual Beier é diretora.

    Vários diretores teatrais vêm se engajando na causa dos refugiados. O Deutsches Theater de Berlim, um dos mais importantes do país, alojou alguns imigrantes em seus espaços, além de coordenar doações e oferecer cursos para eles. Com frequência os diretores enfrentam protestos de políticos da AfD, para quem os palcos alemães deveriam ser reservados apenas para autores "clássicos".

    Em Potsdam, o partido tem se manifestado contra a peça "Illegale Helfer" (ajudantes ilegais), que acaba de estrear. Na obra, a diretora tirolesa Maxi Obexer mostra a história de voluntários que apoiaram imigrantes ilegais, tornando-se assim também infratores.

    SEM IMAGENS DO BRASIL

    Acaba de estrear "Vor der Morgenröte" (antes da aurora), o segundo filme da atriz alemã Maria Schrader na direção. Ele traz os últimos anos de vida do escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942).

    Judeu pacifista, Zweig deixou a Áustria em 1934, fugindo dos nazistas. Passou por Londres, Buenos Aires e Nova York, entre outras cidades, até se fixar em Petrópolis. Ali se matou, junto com sua segunda mulher, em fevereiro de 1942.

    O elenco conta com o ator austríaco Josef Hader, que brilha no papel principal: o de um escritor que goza da segurança do exílio, que é aclamado pela opinião pública internacional e pelas autoridades, mas que se desespera frente aos acontecimentos na Europa.

    Quem espera ver cenas do Brasil decepciona-se, já que a fita foi rodada na Alemanha, em Portugal e São Tomé. Mas destaca em vários diálogos a mistura de raças no país, tão exaltada por Zweig em "Brasil, um País do Futuro" (1941).

    DESDE PARIS, TEXAS

    A crítica alemã revoltou-se com a escolha de "I, Daniel Blake", do britânico Ken Loach, para a Palma de Ouro do último Festival de Cannes. Ela estava certa de que a cineasta Maren Ade finalmente traria para a Alemanha o prêmio.

    Seu filme "Toni Erdmann" é uma tragicomédia sobre os conflitos de Ines, uma consultora de empresas ambiciosa, com seu pai, Winfried, um ex-hippie. Além de ter sido ovacionado em Cannes, o filme recebeu muita atenção da imprensa internacional.

    Em 1984 foi a última vez que um alemão venceu Cannes, com "Paris, Texas", de Wim Wenders.

    SILVIA BITTENCOURT, 51, é jornalista, autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas)

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