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    Movimentos contra o impeachment em Buenos Aires e visitas da ditadura

    LUCIANA DYNIEWICZ

    10/07/2016 02h00

    A crise política brasileira ainda ecoa no território vizinho e a turma do "antes de tudo, fora, Temer" tem movimentado Buenos Aires, por vezes amparada por piqueteiros e por grupos kirchneristas.

    Quem lidera as manifestações desse lado da fronteira é um coletivo de brasileiros chamado Passarinho, nome que remete a uma adaptação do "Poeminha do Contra", de Mario Quintana, feita pelo próprio grupo. Enquanto o coletivo diz "eles não passarão, eu passarinho", o poeta gaúcho escrevia em 1978: "todos esses que aí estão/ atravancando meu caminho/ eles passarão/ eu passarinho".

    Em junho, o Passarinho interrompeu Arnaldo Antunes para protestar. O músico se apresentava na capital argentina, cantava "Invejoso", quando alguns começaram a levantar cartazes contra o governo interino de Michel Temer.

    De modo geral, a plateia juntou-se ao movimento e foi apoiada pelo iluminador do show, que acendeu as luzes do auditório enquanto muitos gritavam "fora, Temer". O cantor não parou para a manifestação, mas soltou um discreto "o povo não é bobo", que não foi compreendido pelos argentinos.

    Os passarinhos já receberam o chanceler José Serra com bolinhas de papel; fizeram, na frente da embaixada brasileira, o que chamaram de "missa de sétimo dia da democracia"; e convocaram uma "flash mob" no consulado no dia da votação da abertura do processo de impeachment no Senado. Na ocasião, entraram no local, cantaram "Roda Viva", de Chico Buarque, e em seguida se dispersaram rapidamente.

    Apesar de ter ganhado força e repercutido na mídia, o coletivo não foi o primeiro grupo a ir para as ruas de Buenos Aires por conta da política brasileira. Em março, cerca de 80 pessoas se reuniram diante do Obelisco argentino contra a presidente afastada Dilma Rousseff. Depois desse ato, porém, desapareceram de vista.

    Divulgação
    Centro Cultural Kirchner - Buenos Aires Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***LEGENDA DO JORNALVista do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, na quinta (21), em sua inauguração
    Vista do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, no dia de sua inauguração

    O PALCO

    O show de Arnaldo Antunes, palco do protesto dos passarinhos, aconteceu no Centro Cultural Kirchner, cujo nome foi abreviado para CCK pelo governo do presidente Mauricio Macri.

    A apresentação foi de graça, em um auditório lotado, dentro de uma programação organizada pela Casa Rosada.

    O CCK voltou a funcionar normalmente no último mês de maio, pouco após a conclusão das obras. O local havia sido inaugurado um ano antes pela antecessora de Macri, Cristina Kirchner, sem estar completamente concluído.

    A reforma custou cerca de 3 bilhões de pesos (R$ 665 milhões) –e não faltam denúncias de superfaturamento.

    Instalado no antigo edifício do correio argentino, tem 100 mil metros quadrados, 51 salas, 21 elevadores, nove andares e banheiros revestidos de mármore. Na inauguração, Cristina Kirchner disse que era o centro cultural mais importante da América Latina. Ainda falta programação para honrar o título. Por enquanto, talvez seja o maior.

    Neste ano, uma exposição que marca os 30 anos da morte do escritor argentinos Jorge Luis Borges é a principal atração do CCK (fora o edifício em si).

    OS SOBREVIVENTES

    O desaparecimento da argentina Franca Jarach durante a ditadura argentina completou 40 anos no último dia 25, data em que sua mãe, Vera Jarach, esteve no principal centro clandestino de tortura do passado do país, a Esma (Escola Superior de Mecânica).

    Franca possivelmente viveu seus últimos dias na Esma, antes de entrar em um voo da morte, como era chamada a última viagem que os sequestrados políticos faziam antes de serem assassinados, jogados de um avião no rio da Prata.

    Vera marcou os 40 anos do desaparecimento da filha contando sua história a um grupo de cem pessoas em uma visita guiada ao local.

    A HISTÓRIA

    Também participou do tour Sebastián Rosenfeld Marcuzzo, que nasceu na Esma há 38 anos e foi entregue pelos militares aos seus avós em um caso raro na ditadura argentina –a maioria dos filhos dos sequestrados acabavam em famílias desconhecidas, de pessoas ligadas ao governo.

    Desde março, sempre às 17h do último sábado de cada mês, pessoas cujas vidas estão relacionadas ao período da ditadura da Argentina contam suas histórias nas visitas guiadas.

    LUCIANA DYNIEWICZ, 30, jornalista, é correspondente da Folha em Buenos Aires.

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