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    Na Alemanha, cai a confiança na "mamãe Angie"

    SILVIA BITTENCOURT

    14/08/2016 03h06

    Passado o choque provocado pelos últimos atentados na Baviera, os alemães parecem adaptar-se aos novos tempos do terror e, como todos os anos, saíram para as férias de verão lotando as estradas do país. Apesar de convencidos de que outros atentados virão, eles deixam claro, nas pesquisas de opinião, que não pretendem mudar seu estilo de vida.

    O que está ruindo, entretanto, é a sua confiança na "Mutti Angie" (mamãe Angie), como costumam chamar a chanceler Angela Merkel. Um ano atrás, no auge da crise dos refugiados, grande parcela da população apoiou a cultura de boas-vindas do governo e recebeu os estrangeiros com braços abertos. A popularidade de Merkel manteve-se, inclusive depois dos incidentes no último Réveillon, quando centenas de alemãs foram molestadas sexualmente por imigrantes.

    Agora, entretanto, apenas 8% afirmam acreditar na chanceler, quando ela diz: "Vamos conseguir". Merkel fez essa declaração, pela primeira vez, em agosto passado e a frase tornou-se marca de seu terceiro mandato. Repetiu-a duas semanas atrás, sob o impacto dos atentados em Würzburg e Ansbach.

    Mas os alemães não engoliram.

    Além das agremiações nacionalistas, cada vez mais em alta está o governador da Baviera, o conservador Horst Seehofer. Seu partido, a União Social-Cristã (CSU), está coligado no Parlamento com a CDU de Merkel. Porém, defensor do endurecimento da lei de asilo e do controle nas fronteiras alemãs, ele é hoje o maior adversário da chanceler na questão dos refugiados.

    AUTONOMISTAS

    Depois de Kreuzberg e Prenzlauer Berg, agora é a vez do bairro de Friedrichshain, no centro de Berlim, lutar contra o fim dos últimos edifícios ocupados, em consequência do processo de valorização imobiliária (ou gentrificação) que atinge a cidade desde a reunificação.

    Os protestos intensificaram-se na noite de 9 para 10 de julho, quando a polícia tentou invadir o n° 94 da Rigaer Strasse (agora chamado de RS94), um prédio coberto por bandeiras, cartazes e grafites com slogans revolucionários, em parte ocupado por uma cena radical de esquerda, conhecida como "autonomista". Além das lojas atacadas e dos carros incendiados, mais de 100 policiais ficaram feridos, e 90 pessoas foram presas.

    O conflito marcou o ressurgimento dos autonomistas, fortes nas décadas de 1970/1980. Apesar de a Justiça ainda proteger os moradores do RS94, entretanto, eles não têm recebido apoio dos berlinenses, assustados com a violência do último confronto.

    DISSIDENTES

    Pela primeira vez uma grande exposição é dedicada aos artistas alemães-orientais contrários à ditadura socialista que vigorou no país por 40 anos. O evento no Gropius-Bau chama-se "Gegenstimmen" (opiniões opostas).

    Ali estão pinturas, fotos, filmes e instalações de mais de 80 artistas, entre eles A. R. Penck, de Dresden, que expôs em São Paulo em 2010. Todas as obras trazem uma reação ao regime opressor do então dirigente Erich Honecker (1912-94), como a mulher amordaçada, fotografada em série por Gabriele Stötzer, de Erfurt.

    Como não se enquadravam na chamada "arte oficial", muitos desses artistas trabalhavam e divulgavam suas produções de forma subversiva, em espaços particulares ou através de panfletos ilegais.

    TEMPOS OLÍMPICOS

    Com o best-seller "Berlin 1936 - Sechzehn Tage im August" (Berlim 1936 - 16 dias em agosto), o jornalista e historiador Oliver Hilmes nos leva para a 11° Olimpíada da Era Moderna, na então capital do Terceiro Reich. Tentando mostrar a cidade como cosmopolita e aberta, os nazistas fazem uma pausa nas perseguições e recolhem das ruas cartazes e publicações antissemitas.

    O livro é um misto de diário e romance social, mostrando o dia a dia das mais diversas personagens (reais) durante as Olimpíadas: escritores, esportistas, políticos, prostitutas, entre outros. Enquanto o atleta negro Jesse Owens (1913-80) conquista suas medalhas de ouro e faz a elite nazista espumar de raiva, o autor americano Thomas Wolfe (1900-38) perambula pelos cafés e bares em torno da sofisticada avenida Kurfürstendamm.

    Antes um fã declarado da Alemanha, o escritor abre os olhos para a ameaça nazista só no final dos Jogos Olímpicos.

    SILVIA BITTENCOURT, 51, é jornalista, autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas)

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