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    Mapa sentimental do alvo de bombas

    LUCRECIA ZAPPI

    25/09/2016 02h07

    A explosão na noite de sábado (17) feriu 29 pessoas e estilhaçou vidros de carros e janelas no bairro Chelsea, no centro de Nova York, mas causou mais anticlímax do que medo entre os locais. Moro a 12 quadras da rua 23, local em que a bomba foi detonada numa lixeira, mas não estava na cidade.

    Voltei de viagem no dia seguinte para uma homenagem a um vizinho, Elliot Hoffman. Ele foi advogado de grandes nomes do jazz, como os fundadores do bebop, Dizzie Gillespie e Thelonious Monk. Ficamos amigos depois que achei suas chaves na rua; desde então, por meio de suas histórias, a cidade ganhou tinta fresca para mim.

    A caminho de casa, passei perto de onde fora a explosão, pela Sétima Avenida. Lembrei o que Elliot me contara sobre Monk: "Tinha mania dessa avenida, ia e vinha às vezes o dia todo". Perguntei se essa fixação tinha algo a ver com o clube Village Vanguard, onde tocava. "Não, ele era engraçado assim. Congelava feito estátua no saguão do prédio durante horas, até o zelador me ligar, e lá ia eu convencer o Thelonious a sair dali."

    Centenas de pessoas circulavam pelas ruas bloqueadas para veículos por dezenas de carros policiais. Se alguém tivesse morrido, talvez a sensibilidade fosse diferente, mas ali a irritação era geral. Quando alguém mencionou a Assembleia Geral da ONU, que começou dia 20, não foi para falar de algum tema em pauta, como o próprio terrorismo, mas para reclamar da segurança reforçada. Seria uma semana com um trânsito dos infernos. O jeito seria o metrô, que nem sempre tem ar-condicionado, e ainda estamos no fim do verão.

    INTELLIGENTSIA

    Em casos extremos, Nova York flui mais devagar, mas não para. Quebrei a regra para tomar um expresso no bar do saguão do hotel High Line, considerado o melhor café do bairro. No domingo, no entanto, só havia eu naquela espécie de santuário urbano do século 19 com um belo jardim. Ouvir conversa alheia no Intelligentsia Café só é possível mesmo durante a semana, quando as galerias de arte da região estão abertas.

    No mesmo respiro da escapada, na esquina seguinte, na Décima Avenida com a rua 21, fica a 192 Books. A livraria da galerista Paula Cooper é excelente, além de proporcionar ótimos papos com escritores durante lançamentos de livros (programação em 192books.com). "Você viu?". Um morador de rua do lado de fora quis saber. Antes que respondesse, ele encurtou a conversa. "Eu não", disse.

    A TEMPESTADE PERFEITA

    O jeito foi tomar outra coisa no The Half King, bar despretensioso, sempre cheio, clássico do happy hour no Chelsea. Fica na mesma avenida, na esquina da rua 23, e os três donos, meio que sempre ali, enchem de vida o lugar com eventos literários (thehalfking.com).

    Nanette Burstein é cineasta (dirigiu "Amor à Distância", com Drew Barrymore) e Sebastian Junger é escritor e documentarista (dirigiu "Restrepo", que concorreu ao Oscar de melhor documentário). O terceiro dono é outro grande escritor, além de jornalista e marido de Burstein, Scott Anderson (autor da biografia "Lawrence in Arabia").

    XERIFE NOVO

    Discutiam no The Half King se o ataque não fora um ato isolado –no mesmo sábado houve outras tentativas com dispositivos caseiros em Nova Jersey. "E por que em Chelsea? Devia ter sido em Red Hook, bem mais hypado." Outro disse que a cidade estava "acostumada" a ameaças de terrorismo. "Bem que Trump gostaria de ver as pessoas histéricas pelas ruas de Nova York. Saúde", alguém brindou atrás de mim.

    Capturariam Ahmad Khan Rahami 50 horas depois da explosão. O suspeito, afegão de 28 anos naturalizado americano, foi indiciado por cinco acusações de assassinato, com fiança imposta de US$ 5,2 milhões (cerca de R$ 17 milhões). Os ataques coincidiram com o primeiro dia de trabalho do novo chefe da polícia de Nova York, James O'Neill.

    LUCRECIA ZAPPI, 44, jornalista e escritora, é autora de "Onça Preta" (Benvirá).

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