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    A Alemanha volta a olhar para a esquerda

    SILVIA BITTENCOURT

    09/10/2016 02h03 - Atualizado às 19h40
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    Quem tem medo dos comunistas? Até poucos anos atrás, era fácil responder: os alemães. Isso porque era tabu para qualquer partido tradicional se aproximar e negociar uma eventual coalizão com o partido Esquerda, agremiação que desde 2007 reúne socialistas democráticos e velhos comunistas da antiga Alemanha Oriental.

    Mas a coisa vem mudando. Já faz anos que um dos líderes do partido, o eloquente Gregor Gysi, se tornou um dos queridinhos da imprensa e está sempre presente nos talk shows importantes. Além disso, representantes do social-democrata SPD e dos Verdes vêm se encontrando com a Esquerda para discutir pontos programáticos comuns.

    Antes, essas reuniões eram quase secretas e usavam siglas estranhas, como R2G, indicando em alemão as cores dos partidos, dois vermelhos e um verde. Mas agora elas estão nos jornais, têm páginas na internet e não escondem o seu objetivo: preparar o terreno para tirar Angela Merkel do poder. Se possível, já no próximo ano.

    Philipp Guelland - 30.abr.16/AFP
    Manifestantes carregam faixa com dizeres "Arschloecher feiern Deutschland", algo como partido dos cretinos da Alemanha, em protesto contra o partido AfD em Stuttgart
    Manifestantes carregam faixa com dizeres "Arschloecher feiern Deutschland", algo como partido dos cretinos da Alemanha, em protesto contra o partido AfD em Stuttgart

    Frente ao crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD em alemão), a nova agremiação de extrema-direita favorecida pela crise dos refugiados, a paisagem partidária do país se transforma.

    Em nível federal, observadores ainda veem uma grande coalizão entre o SPD e a CDU de Merkel, que agora governa a Alemanha, como a possibilidade mais provável para 2017. Nos últimos pleitos estaduais, no entanto, esses dois partidos perderam tantos votos para a AfD que até uma aliança se tornou difícil. Se essa tendência persistir, o mesmo pode acontecer no Parlamento.

    A aproximação entre social-democratas, verdes e socialistas ainda acontece no plano das bases. Oficialmente, seus dirigentes preferem destacar as diferenças, como no que se refere à política externa: a Esquerda é contra a participação da Alemanha em intervenções militares no exterior.

    Os ex-comunistas já detêm algumas prefeituras e o Estado da Turíngia, além de integrar coalizões no leste da Alemanha. Agora, negociam participar da recém-eleita administração de Berlim.

    OS NOVOS ALEMÃES

    Esse é o título em português do novo best-seller de Marina e Herfried Münkler ("Die neuen Deutschen"), oportuno no momento atual.

    A obra enquadra-se no gênero da utopia social. O casal –ela, literata da Universidade Técnica de Dresden, especialista em multiculturalismo; ele, cientista político da Universidade Humboldt, em Berlim– vê na onda de refugiados mais chances do que riscos para a Alemanha.

    Eles partem da ideia de que movimentos migratórios formam a regra, e não a exceção, e de que a Alemanha precisa dos imigrantes para seguir sendo um Estado de bem-estar social. Os "novos alemães" não seriam só os refugiados mas também a própria sociedade germânica, que deve deixar de definir o seu país etnicamente e reprojetá-lo considerando os imigrantes.

    Marina e Herfried Münkler, porém, não se aprofundam numa questão hoje importante: a do papel do islamismo no difícil processo de integração.

    HOOLIGANS

    Pela primeira vez, a cena hooligan alemã é cenário de um romance de destaque nos cadernos culturais. "Hool" é a estreia de Philipp Winkler e já entrou para a "shortlist" do importante Deutscher Buchpreis (prêmio literário alemão), ao qual concorrem agora seis escritores –o vencedor será anunciado em 17/10.

    Filho de um alcoólatra e abandonado pela mãe, o protagonista Heiko Kolbe toca a vida ao lado de companheiros hooligans, entre a academia de boxe e os calçadões do centro da cidade –e entre uma pancadaria e outra, cada vez que seu time enfrenta um adversário.

    Triste e cômica, a obra apresenta, numa linguagem rápida, um mundo marginal. Para a crítica, destoa do bom-mocismo predominante na literatura alemã contemporânea.

    BIPOLAR

    Depois do autor Wolfgang Herrndorf (1965-2013), que alguns anos atrás descreveu num blog o seu dia a dia com um tumor no cérebro, agora é a vez do romancista e dramaturgo Thomas Melle relatar sua psicose maníaco-depressiva. Em "Die Welt im Rücken" (o mundo nas costas), o leitor acompanha o autor na evolução da doença, entre um surto e outro, desde os primeiros sinais (na época de estudante em Berlim) até a derrocada, quando perde os amigos e a casa.

    O texto é poético e preciso ao mesmo tempo, trazendo tanto fantasias de Melle com Madonna quanto detalhes dos processos bioquímicos que acontecem dentro de seu corpo. A obra é mais uma na lista de finalistas do Deutscher Buchpreis.

    SILVIA BITTENCOURT, 51, é jornalista, autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas).

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