SOBRE O TEXTO Os poemas reproduzidos abaixo integram a antologia "Teoria do Hotel", do poeta e tradutor Eduardo Jorge. O volume deve sair pela Relicário em fevereiro de 2017. Em contraposição à melodia doméstica de "A Casa Elástica", florilégio anterior do escritor, a futura compilação envereda pelo impessoal.

	Foto Gabriel Cabral

FIGURAS DA PRESSA

O dia é um animal repetitivo
e esquivo, tentam pegá-lo
com a bolsa, embora o mínimo
rumor de chaves mova uma
luz marionete que trai a mão.
Nada de ano em círculo,
a outra idade já está no rosto.
Na pressa, ela deixou a imagem.
Esta sim, passante anglófila
um This will have been amoroso
em negativo, fotodependente,
ela diz, ele diz, nome, home.
Os que desistiram, ao balcão,
improvisam passatempos, dog days.
Inventam cidades combatidas,
examinam um eros danificado
ou imitam os amigos mais apegados
à ideia de captura deste animal.

*

HOMENS SEM LIVROS

Naquele grande prédio cinza
ficam os homens sem teses brilhantes.
No café da manhã
iniciam a ladainha dos erros,
onde poderiam ter sido melhores,
detalham cada arrependimento.
Imperfeitos, com hálito de anjo,
passeiam por outras preferências
de pães, pela inexatidão de açúcares
e açucenas desfocadas sob fundo negro.
Antes que a manhã acabe, deliciam-se
com cada ideia sem realização
sobre as duzentas páginas que jamais
foram cinco, e trocam elogios
de gravatas. Ao meio-dia, o zênite.
Silêncio, pois pensam no detalhe
de cada erro que cresce.
Fazem cálculos sobre onde podem
ser atacados e por quem.
Até escutam os estômagos
digerindo o arroz, o frango, as cenouras.
No pátio interno há um teatro
Boa parte da tarde, encenam ressentimentos
com a alegria caindo aos pedaços.
À noite, eles se recolhem em suas celas,
hora de pensar o erro seguinte.
Ali as teorias são frágeis, brilhantes, encantadoras,
mas não espere uma única linha.

EDUARDO JORGE, 38, é poeta e tradutor, autor de "Caderno do Estudante de Luz" (Lumme).

MARIANA SERRI, 34, é artista plástica.