• Ilustríssima

    Sunday, 19-May-2024 10:48:46 -03

    O Valongo, no Rio, foi mesmo um ponto de desembarque de escravos?

    ALVARO COSTA E SILVA

    18/12/2016 02h25

    Um grupo de trabalho formado por historiadores ligados à prefeitura e ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) encabeça a candidatura do Cais do Valongo –cujo calçamento foi redescoberto durante as recentes obras na zona portuária– ao status de Patrimônio da Humanidade.

    Já declarado patrimônio carioca e nacional, o pequeno porto teria recebido entre 500 mil e 1 milhão de escravos, homens, mulheres quase nus e imundos, depois de três meses de viagem nos navios negreiros. Além disso, a região concentraria não só o desembarque como também o comércio, alojamento e enterro dos chamados pretos novos.

    Um dos maiores especialistas em historiografia carioca e autor do clássico "O Rio de Janeiro Setecentista" (Zahar), Nireu Cavalcanti considera a homenagem justa no que diz respeito ao sítio ligado ao comércio e pela existência do cemitério: "A arqueologia do campo santo africano revela a identidade dessa gente".

    Mauro Pimentel/Folhapress
    Vista geral do Cais do Valongo, no centro do Rio, descoberto em escavações arqueológicas

    Em relação ao cais, Nireu pensa de maneira diferente: "Os que afirmam a existência de cais para desembarque de escravos no Valongo baseiam-se em achismo. Não apresentam nenhum documento comprovando tal pirotecnia. Não há documento, texto oficial, processo para realização do cais, desenho figurativo, mapas, citação de época ou de pessoa envolvida com a região, ou qualquer outra fonte".

    Segundo o historiador, os escravos, ao desembarcar, eram registrados na velha Alfândega, perto da atual praça Quinze. Ali chegavam em pequenos barcos que ficavam a pouca distância da praia, o suficiente para saltar e caminhar pela água do mar até o armazém.

    Mostrando um desenho de Rugendas que prova o movimento das "peças" na Alfândega, Nireu conclui: "Na praia do Valongo nunca houve cais para desembarque de escravos".

    O BONDE DA CRISE

    Primeiro o desastre terrível: em 2011, o bondinho de Santa Teresa descarrilou, deixando seis mortos e mais de 50 feridos. Depois, o tempo enorme e o transtorno das obras até a volta da circulação, no fim do ano passado. Agora veio a conta: desde o último dia 15, a passagem, para turistas e cariocas, custa R$ 20 –moradores do bairro estão isentos da cobrança.

    É isso mesmo: R$ 20. A justificativa, segundo a Secretaria de Estado de Transportes, está na "necessidade de reequilíbrio das finanças, abaladas pela forte crise que atingiu o Estado". O trajeto cobre apenas o trecho entre o largo da Carioca e o largo dos Guimarães (3 km). O sistema, antes, servia a todo o bairro, mas as obras de ampliação estão suspensas.

    Só para comparar: o VLT, que anda apinhado de turistas, cobra R$ 3,80 pelo percurso do aeroporto à rodoviária (cerca de 7 km). O jeito é voltar aos tempos de moleque: subir e descer do bonde andando.

    CRONISTA DA CIDADE

    Álvaro Moreyra, em crônica encharcada de lirismo, lembra um velho morador de Santa Teresa. Julgado doido, ele descia no primeiro banco do bonde Lagoinha atirando beijos para os homens que encontrava no caminho até os Arcos; às mulheres, fazia solenes saudações. "Eu acho que é um santo", escreve Moreyra.

    Uma das primeiras coletâneas desse cronista tão fundamental quanto esquecido acaba de reaparecer. "A Cidade Mulher" [Mauad, 240 págs., R$ 49,90] mostra o Rio dos anos 1920, um pouco ingênuo, mas já cheio de curvas e ciladas. Em edição revista e comentada pelas pesquisadoras Cláudia de Oliveira, Cláudia Mesquita e Joëlle Rouchou, o livro ajudou a moldar o mito do carioca e sua relação com o espaço.

    BEBIDA SECRETA

    Se você leu "O Homem Magro" de Dashiell Hammett (1894-1961), apaixonou-se pelo sofisticado casal Nick e Nora Charles (além de sua cachorrinha Asta) e sempre quis conhecer um "speakeasy", vá correndo à rua Aristides Lobo, 229, no Rio Comprido. O romance de Hammett, o último que escreveu, em 1933, começa em um desses bares clandestinos que marcaram a época da Lei Seca.

    O casarão, como deve ser um esconderijo, não chama atenção. Dentro, pouca luz, decoração à antiga, e, indispensável, o balcão onde são servidos os coquetéis. Amigos meus chegados ao esporte garantem que o Mixxing é um dos melhores lugares para se beber no Rio. Detalhe: só abre nas noites de sexta e sábado. Detalhe 2: não peça cerveja porque não tem.

    ALVARO COSTA E SILVA, o Marechal, 53, é autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro" (Casarão do Verbo).

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024