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    Vídeo sobre o palácio do Eliseu ignora o presidente François Hollande

    ISABEL JUNQUEIRA

    15/01/2017 02h03

    Segundo a teoria de Claude Lefort, filósofo francês morto em 2010, o lugar do poder democrático é um vazio do qual ninguém pode se apropriar verdadeiramente. O artista conterrâneo Laurent Grasso parece concordar com o pensador em "Elysée", sua obra mais recente, exposta até o último sábado (14) na galeria Perrotin, em Paris.

    Eric Feferberg/AFP
    The French government arrive at the Elysee Palace for the first cabinet meeting of the year on January 4,2017 in Paris. / AFP PHOTO / Eric FEFERBERG ORG XMIT: 4627
    Integrantes do governo francês chegam ao Palácio do Eliseu, em Paris

    Um dos nomes mais importantes da arte contemporânea do país –em 2008, ganhou o prestigioso prêmio Marcel Duchamp–, Grasso obteve permissão para filmar dentro do Salon Doré, cômodo no palácio do Eliseu que serve de escritório presidencial desde a eleição do general De Gaulle, em 1958.

    Se a sala apareceu lateralmente em "Un Temps de Président" (um tempo de presidente; 2015), documentário de Yves Jeuland, que acompanhou o presidente François Hollande durante mais de quatro meses, ela foi alçada a protagonista em "Élysée". O artista quis retratar o lugar sem a presença do chefe de Estado.

    Em pouco mais de 16 minutos, Grasso alterna "travellings" de planos abertos e fechados, mostrando cada detalhe da decoração excessivamente dourada do mobiliário da época de Luís 14 e Luís 16.

    Embalada por uma trilha hipnotizante de Nicolas Godin (do duo Air), a câmera revela uma tensão entre passado e presente, expressa em elementos "intrusos" (canetas, uma televisão de tela plana, jornais).

    Segundo o texto que acompanha a exposição, Grasso quis usar esse espaço simbólico para enfatizar a perenidade da ideia de poder, para além de sua encarnação temporária em um indivíduo. No entanto, no contexto atual, é difícil não encarar o vídeo como um aceno a Hollande, o mais impopular desde a Segunda Guerra.

    Ele é o primeiro presidente desde 1958 a abrir mão de disputar a reeleição. Para muitos –inclusive seu antigo conselheiro Aquilino Morelle, que lançou dias atrás um livro sobre a experiência a seu lado–, o socialista nunca exerceu de fato o poder. É como se nunca tivesse botado os pés no Salon Doré.

    Veja trecho do vídeo.

    A DIVISA

    Apesar de não ter cunhado o termo "color line" (linha da cor), o sociólogo e historiador norte-americano W.E.B Du Bois (1868-1963) o popularizou em seus escritos –entre eles "As Almas da Gente Negra", de 1903– como uma referência à segregação racial que substituiu a escravidão, abolida nos Estados Unidos em 1865 com o fim da Guerra Civil.

    A expressão dá nome à mostra que acaba neste domingo (15) no museu do Quai Branly. Por meio de 600 documentos e obras de arte, a exposição mostra duas facetas de uma mesma luta de afro-americanos contra a discriminação racial, reivindicando seu status não só como cidadãos mas também como artistas.

    Foi só na última década que trabalhos de nomes maiorais como Betye Saar, Alma Thomas e Aaron Thomas começaram a entrar para as coleções de instituições importantes, entre elas o MoMA (Museu de Arte Moderna) de Nova York.

    Os franceses certamente aprenderam com "The Color Line". No vernissage da exposição, em 2016, um material pedagógico para crianças afirmava que alguns escravos tiveram uma vida "agradável" e que o Civil Rights Act de 1964 marcou o "fim da discriminação racial" nos Estados Unidos. Antes da abertura ao público geral, a brochura já havia sido recolhida.

    AMÉRICA

    A Maison Européenne de la Photographie parece ter escolhido a dedo sua atual exposição, dedicada ao trabalho de Andres Serrano e em cartaz até 29/1.

    No início dos anos 1990, o artista ganhou fama de provocador. "Piss Christ", fotografia mostrando um crucifixo mergulhado em urina, foi a primeira de suas imagens a ser atacada tanto verbal como fisicamente.

    As obras desconcertantes do americano nunca pareceram tão adequadas. "The Klan", série de retratos de membros do Ku Klux Klan vestidos a caráter e encarando de frente o espectador, é de arrepiar a espinha.

    AMÉRICA 2

    Em 2001, Serrano começou a fotografar "America", uma coleção de retratos instigada pelo 11 de Setembro. "Queria contribuir ao debate sobre a identidade americana na sua diversidade, misturando idades, gêneros, classes sociais e crenças", explicou.

    Adivinhe quem foi um dos escolhidos a posar para suas lentes? Donald Trump.

    ISABEL JUNQUEIRA, 32, é jornalista.

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