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    Diário de Nova York: vem pra rua contra o Trump

    LUCRÉCIA ZAPPI

    29/01/2017 02h00

    A posse de Donald Trump desencadeou um ativismo sem precedentes, com vários coletivos prometendo se organizar na oposição ao governo.

    Em Nova York, taxistas ilhados pela Marcha das Mulheres subiram nos capôs, aderindo aos protestos. A imagem na semana passada poderia ser o novo cartão-postal da cidade, com fumaça saindo dos bueiros, homens e mulheres nas ruas, e cartazes bem-humorados do tipo #FreeMelania, aceno à primeira-dama sem voz, aprisionada em corpo robótico e inexpressivo, tão gélida em seu traje azul-posse quanto Nova York em janeiro.

    Andrew Caballero-Reynolds/AFP
    Manifestantes chegam para a Marcha das Mulheres, no National Mall, em Washington
    Manifestantes chegam para a Marcha das Mulheres, no National Mall, em Washington

    "Eu tenho uma vagenda", dizia outro cartaz, em referência direta à "vagina", sobre a qual Trump se gabou, em gravação de 2005, de ter tanto controle. A frase é um eco de advertência ao novo presidente: muitos não topam sua postura misógina e racista, menos ainda a agenda do seu governo. De seu lado, Trump decerto torce para que as passeatas tenham sido fogo de palha, mesmo que o movimento tenha levado dois milhões de pessoas às ruas em todo o mundo, em mais de 600 marchas.

    Só na cidade natal dele, estima-se que a adesão tenha sido de quase meio milhão de cidadãos. A marcha já deve ter entrado na pauta de outra das "conversas de vestiário" do presidente (como ele caracterizou o contexto em que, em 2005, usou expressões de baixo calão), mas o que ocorreu nas ruas não foi uma queima de sutiãs nem uma variante do Ocupe Wall Street de 2011, movimento diluído pela falta de agenda. A mobilização não é uma reação pontual contra, por exemplo, o corte de gastos públicos para combater uma recessão.

    Expressa uma ansiedade geral com a ideia de que Trump possa promover um retrocesso nas políticas sociais, como sinalizou em seu primeiro decreto, que mira o Obamacare [reforma da saúde aprovada pelo ex-presidente]. Trump apresentou também uma lista de juízes ultraconservadores para uma vaga na Suprema Corte, todos contrários ao aborto, ameaçando conquistas em políticas de planejamento familiar.

    HILLARY

    Para Trump, pior do que milhares de mulheres nas ruas transpirando um feminismo amadurecido de causas concretas seria só uma no poder: Hillary Clinton. O boato é de que a rival de Trump na disputa pela Presidência deva ressurgir como candidata independente à prefeitura, o que não deixa de divertir os nova-iorquinos, que deram a ela 79% dos votos.

    A ex-secretária de Estado dos EUA, conhecida pelo estilo tecnocrata, teria uma agenda de responsabilidades objetivas, além de testar o poder internacional na cidade do presidente, onde está a ONU.

    Segundo pesquisa da Universidade Quinnipiac, 49% dos votos iriam para Hillary, enquanto só 29% para Bill de Blasio, o atual prefeito democrata, não tão carismático. Caso as eleições de novembro fossem já, ela venceria nos cinco distritos da cidade –Manhattan, Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island.

    SAÚDE DA MULHER

    Em reação à Casa Branca, e de olho na candidatura à Presidência pelo Partido Democrata em 2020, Andrew Cuomo, governador de Nova York, apresentou em janeiro projetos explicitamente liberais. Enfatizou que as mulheres têm poder de escolha na saúde, ao determinar que o Estado, independentemente de disputas futuras no Congresso, obrigue os planos de saúde a arcar com anticoncepcionais e com abortos de necessidade médica.

    Na pauta de Cuomo entram também energia renovável, reforma na Justiça criminal, assistência do governo na mensalidade de cursos superiores e crédito fiscal relacionado a cuidados da criança.

    E AGORA?

    Em continuidade às manifestações, diversas organizações, incluindo o Planned Parenthood, uma das principais que trabalham com planejamento familiar nos EUA, promoveram sessões de treinamento para 2.000 pessoas, justamente para transformar os protestos em ações políticas concretas.

    Mesmo que a Câmara, assim como o Senado, tenha maioria republicana com Trump, em Nova York a atenção se volta para o senador democrata Chuck Schumer, representante do Estado, considerado um contrapeso fundamental em muitas decisões que redefinirão o mapa social norte-americano. A escolha para a vaga na Suprema Corte é uma delas. Dependendo do nome, poderia ser uma ameaça para a decisão de 1973 que garantiu o direito à interrupção da gravidez.

    LUCRÉCIA ZAPPI, 44, jornalista e escritora, é autora de "Onça Preta" (Benvirá)

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