• Ilustríssima

    Thursday, 02-May-2024 13:55:07 -03

    Leia poema inédito de Antonio Risério

    ANTONIO RISÉRIO
    ilustração DERLON

    26/02/2017 02h00

    SOBRE O TEXTO Escrito especialmente para o caderno, este poema insere-se na polêmica sobre o uso do termo "mulata" em marchinhas. Contrapondo-se aos que defendem o banimento do vocábulo, os versos saúdam a mestiçagem e sua importância na história do país.

    *

    No trato das clareiras clandestinas
    alto e bom som se escutava:
    e o mulato? você viu o mulato?

    Assim perguntavam por Marighella
    e ele, mescla de flecha e de folia, sorria:
    "sou um mulato, um mulato da Bahia".

    E então se lembrava satisfeito
    do jeito de Maria Rita, a mãe malê,
    filha do massapê do Recôncavo
    fazendo confeito, caruru de preceito.

    E então se lembrava da Itália
    da aura anarquista do velho Augusto
    mecânico do martelo de látex
    no serviço de chaparia, na forja do justo.

    Casa do feitiço, casa do viço:
    do verso de Dante ao vero dendê.
    Ilê da mistura do isso e aquilo.
    Cabana encantada de um país mestiço.

    Corpo fechado num peji do Paraguaçu
    com sua gargalhada um dia ele seguiu
    coração alumiando feito faca de axogum
    rumo aos anéis de silêncio do orum.

    E agora querem que ele negue ou apague
    Das ondas e luzes do mar da memória
    a figura do pai ou a figura da mãe
    de um dos dois que o fizeram existir?
    Não, este crime não irá consumar.
    Este crime não irá consentir.

    Derlon

    ANTONIO RISÉRIO, 63, antropólogo, poeta e ensaísta, é autor de "A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros" (ed. 34).

    DERLON, 31, é artista plástico.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024